domingo, 8 de fevereiro de 2009

Modernismo

Entende-se por “ Modernismo” um movimento estético, em que a literatura surge associada às artes plásticas e por ela influenciada, empreendido pela geração de Fernando Pessoa (n.1888), Sá Carneiro (n.1890) e Almada Negreiros (n.1893), sob o influxo da arte e literatura mais avançadas na Europa, ou em uníssono com elas. (...)
Foi em 1913, em Lisboa, que se constituiu o núcleo do grupo modernista. Pessoa e Sá Carneiro haviam colaborado na Águia, órgão do Saudosismo, mas iam agora realizar-se em oposição a este, desejosos como estavam de imprimir ao ambiente literário português um tom europeu, audaz e requintado, que faltava à poesia saudosista. Nesse ano de 1913, Sá Carneiro escreve o poema Dispersão e no ano seguinte Pessoa compõe o poema Paúis, escola efémera, publicado na Renascença, Pessoa e Almada travam relações graças à primeira exposição de caricaturas por este efectuada e criticada por aquele nas colunas da Águia. Em 1914, os nossos artistas, estimulados pela aragem de actualidade vinda de Paris com Sá Carneiro e Santa Rita Pintor, adepto do Futurismo, faziam o seu projecto que Luís da Silva Ramos (Luís de Montalvor) acabava de trazer do Brasil: o lançamento de uma revista luso-brasileira Orpheu. Desta revista saíram com efeito dois números (os únicos publicados em 1915), incluíam a participação de Montalvor, Pessoa, Sá – Carneiro, Almada, Cortes – Rodrigues e Raul Leal; dos brasileiros Ronaldo de Carvalho, Eduardo Guimarães e Ângelo de Lima, internado no manicómio, de Álvaro de Campos, heterónimo de Pessoa. Feitos, em parte, para irritar o burguês, para escandalizar, estes dois números alcançaram o fim proposto, tornando-se alvo de troça dos jornais, mas a empresa não pode prosseguir por falta de dinheiro. Em Abril de 1916, o suicídio de Sá Carneiro privou o grupo dum dos seus grandes valores. Entretanto, a geração modernista continuou a manifestar-se quer em publicações individuais, Exílio, quer noutras revistas. Publica-se o movimento “sensacionista” na Centauro (1916), textos de Montalvor “ Tentativa de ensaio sobre a decadência, Pessoa publica uma série de sonetos, Raul Leal “Portugal Futurista” em 1917, com reproduções de quadros de Santa Rita Pintor e Sousa Cardoso o “ manifesto de Marinetti” (...) foi também em 1917 que Almada organizou no teatro República, hoje São Luís, uma escandalosa sessão futurista, cujos textos aquela revista exara. Já com um modernismo serenado na Contemporânea, em 1923, Pessoa louva o helenismo de António Botto e Álvaro de Campos discorda dos juízos estéticos de Pessoa, e Athena, em 1924-25, dirigida por Pessoa e Ruy Vaz, onde saíram os “ apontamentos para uma estética não-aristotélica” de Álvaro de Campos. A Presença, aparecida em 1927, não só deu a conhecer e valorizou criticamente as obras dos homens de Orpheu, como lhes herdou o espírito.
De facto, unidos por um espírito, digamos, de geração (desejo de renovação atrevida, europeísmo, gosto do paradoxo e da blague, da verde ironia e do sarcasmo, os três modernistas realizaram-se com independência, por isso mesmo, senhores de personalidades vincadas.
Mais ainda: ao tentarmos compreender a geração, não devemos parar nos aspectos mais aparentes, mistificação, excentricidade e ironia, ou devemos procurar o sentido grave que a simulação, o próprio jogo literário que podiam ter em Portugal e no resto do mundo. O momento era de crise aguda, de dissolução de um mundo de valores – dissolução que, aliás, continua a processar-se. Os artistas reagiam ao cepticismo total pela agressão, pelo sarcasmo, pelo exercício gratuito, pela sondagem, a um tempo lúcida e inquieta, das regiões virgens e indefinidas do inconsciente, ou então pela entrega à vertigem das sensações, à grandeza inumana das máquinas, das técnicas, da vida gregária das cidades.

“ Modernismo”, in Dicionário das literaturas Portuguesa, Galega e Brasileira,
Org. por Jacinto Prado Coelho,
Liv. Figueirinhas, Porto, pp.490-493 (com supressões)
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Muito em síntese, pode ver-se a poesia portuguesa dos últimos cento e cinquenta anos dividida em três largos períodos, cada um deles inaugurado por um movimento de vanguarda e constituído, depois, por fases semelhantes- paralelas ou sucessivas- de afirmação, correcção e dissolução do próprio movimento inicial. As datas inaugurais seriam precisamente 1825- o ano da publicação do poema Camões, de Garrett-, 1865- o ano da publicação das Odes Modernas, de Antero- e 1915- o ano do aparecimento do Orpheu, com Fernando Pessoa à testa do movimento modernista. Tal como Garrett fora a figura central do vanguardismo romântico de 1825 e antero o vulto polarizador do vanguardismo realista da geração de 70, Fernando Pessoa é o corifeu do vanguardismo de 1915. Entre as personalidades e os destinos destes três poetas- que não foram apenas poetas, mas também espíritos mais lúcidos e profundamente interessados pelos problemas da Cultura- , e a despeito das inegáveis diferenças que os separam, muitos são, todavia, os pontos de contacto que ante a nossa atenção ganham relevo: Garrett tinha 26 anos ao publicar o poema Camões; Antero, 23, ao editar as Odes Modernas, e Pessoa, 26, ao lançar-se na aventura do Orpheu. Dir-se-ia desde já, que há uma idade sobremodo propícia- ao redor dos 25 anos, no limiar portanto da maturidade- para se desempenhar, voluntariamente ou não, o papel de condottiere literário. Por outro lado, morrem os três à volta dos 50 anos- Garrett com 55, Antero com 49, Pessoa com 47-, sem assistir nenhum deles à completa dissolução dos vanguardismos que tinham iniciado. Dir-se-ia, agora, que o Destino desejou poupá-los a semelhante espectáculo, ou impedir que eles próprios nele participassem. Muito mais importantes, porém, do que estes dados cronológicos são determinados aspectos íntimos, que por igual os caracterizam.
Trata-se, com efeito, de três personalidades contraditórias, em cujo foro interior se debatiam antagónicas forças- as quais, por seu turno, dramaticamente, se exprimiram nas obras respectivas e nas respectivas actividades.

David Mourão Ferreira, Nos Passos de Pessoa, 1ª ed, Lisboa, Presença, 1988
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É nas artes plásticas, com Amadeu de Sousa Cardoso( hoje reconhecido como um dos importantes pioneiros da escola de Paris), com Santa- Rita Pintor ( como assinava quem foi mais um dos aventureiros das artes naquele tempo, que um artista), e com Almada Negreiros ( cuja exposição de caricaturas, em 1913, Fernando Pessoa saudou num artigo publicado na Águia), que o vanguardismo primeiro toca os Portugueses, em 1912-13, cerca de um ano antes de Pessoa e Sá- Carneiro se decidirem por um movimento autónomo. Em Abril e em Julho de 1915, são publicados dois números da revista Orpheu, que foram o lançamento digamos oficial e polémico do vanguardismo. Um terceiro número ficou em provas por dificuldades várias. Aqueles dois números produziram, nos meios intelectuais e jornalísticos, precisamente os efeitos que os promotores desejavam. Conta-se que, estando As- Carneiro já no expresso que partia para uma das suas idas a Paris, chegou Pessoa correndo com um jornal na mão, em que um ilustre psiquiatra da época, que havia sido entrevistado sobre “ os do Orpheu”, gravemente os declarava doidos!- E Sá – Carneiro, debruçado na janela do comboio em andamento, e arrebatando o jornal, exclamou: - Ah diz? Então vencemos!
Não tinham vencido. E não se pode dizer que ainda hoje a vitória deles seja completa, apesar de ambos terem entrado para o panteão selecto da grande poesia. Mas tinham realmente, com um choque que hoje nos parece menor do que terá sido, inaugurado uma época nova da poesia portuguesa, e um padrão de exigência estética e de audácia intelectual, como em poucas mutações semelhantes terá acontecido. Depois de 1915, (..) nunca mais foi possível em Portugal que um poeta se alheasse de padrões vanguardistas, sem correr o risco de ser medíocre, passadista, inculto, provinciano, de baixo nível de cultura e de gosto. O que evidentemente não significa que, depois de 1915, muitos poetas de alto mérito não tenham corrido esse risco....

Jorge de Sena, Estudos de Literatura Portuguesa- III, Lisboa, Edições 70, 1988

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