segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Teste Caeiro e Ortónimo ( cenários e critérios)

ESCOLA SECUNDÁRIA RAINHA DONA LEONOR
12º Ano de escolaridade
Duração da prova: 90 minutos 4º teste
2008/2009(Fevereiro) Prof:Euclides Rosa
PROVA ESCRITA DE PORTUGUÊS

Esta prova é constituída por três grupos de resposta obrigatória.

Leia, atentamente, o poema a seguir transcrito.

XXI

Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...

Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva...

O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...


Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos


A GRUPO I

1. Prove que o poema se delimita em função da alteração do sujeito gramatical de enunciação, justificando-a.

2. Explicite, servindo-se de expressões textuais, como consegue o sujeito poético conferir objectivismo a tudo o que é subjectivo.

3. Enuncie três condições apresentadas para se atingir o estado natural.

4. Explique em que medida a natureza é exemplo/ ensinamento para a vida humana.

B
Contrariamente a Caeiro que consegue a simbiose dos contrários/ binómios : “ tomo a infelicidade como felicidade”, “ todos os meus pensamentos são sensações”, Pessoa Ortónimo reconhece-se limitado e impossibilitado de o fazer.
Fazendo apelo à sua experiência de leitura, exponha, num texto de oitenta a cem palavras, como encara o Ortónimo os binómios Pensar/ Sentir, Consciência/ Inconsciência, Razão/ Coração.

GRUPO II

Leia o texto com atenção, antes de responder às questões de análise linguística do mesmo.


Após decénios em que a raça humana se desinteressou por completo do meio em que vivia, considerando este como algo alheio a si, e com uma excessiva e incorrecta confiança nas suas próprias capacidades, os problemas causados pelos seus produtos e procedimentos técnicos, e os conhecimentos crescentes das ciências fizeram com que os homens dos finais do século XX tenham regressado à natureza. Este regresso às suas próprias raízes não é, desde logo, um retorno rousseuaniano a um mundo idílico ou aos costumes do “ bom selvagem”. Trata-se de uma realidade inquestionável que, além do mais, se refere às condições de sobrevivência da espécie humana.
A crença numa capacidade permanente de regeneração da natureza e em que os seus recursos eram inesgotáveis, deu lugar a uma consciência de “crise”. O ser humano deixou de ser um passageiro privilegiado da Terra, com capacidade de mudar de nave se lhe apetecer, e voltar a ser o que era e não devia ter esquecido: mais um povoador de um mundo que ele mesmo pode destruir. Cada agressão aos restantes componentes do planeta pode ser um ataque indirecto contra si mesmo. No entanto, esta consciencialização crescente da população choca, muitas vezes com grandes interesses económicos que não querem admitir esses factos, governos que não cumprem os seus compromissos em relação a uma terra comum, pessoas despreocupadas que deitam produtos tóxicos nos mares ou queimam os bosques, por razões meramente lucrativas.
A tecnologia, como aplicação prática dos conhecimentos humanos, cujo fim é melhorar as condições de vida dos homens, não é responsável pela degradação do nosso ambiente. É o próprio ser humano, que a maneja e a dirige, que é responsável pelos danos causados ao meio ambiente.
In Ciência e Técnica, Círculo de Leitores, 1990

1. Para cada um dos seis itens que se seguem escreva, na sua folha de respostas, a letra correspondente à alternativa correcta, de acordo com o texto.

1.1. O pronome demonstrativo “ este “ ( linha 2) :

A. é uma anáfora que tem como antecedente co-referente “raça humana”(linha 1).
B. é uma anáfora que tem como antecedente co-referente “ meio”( linha 1).
C. é uma catáfora que tem como co-referente “ regresso” ( linha 5)

1.2. O pronome pessoal tónico “ si “ ( linha 2):

A. forma uma cadeia de referência juntamente com “ meio”( linha 1).
B. forma uma cadeia de referência juntamente com “ raça humana”( linha 1).
C. forma uma cadeia de referência juntamente com “ algo”( linha 2).

1.3. A sequência das expressões temporais “Após decénios”( linha 1) e “finais do século XX ” ”( linha 4) marcam:

A. a passagem de uma referência lata para uma pontual, restrita.
B. a passagem de uma referência pontual, restrita para uma lata.
C. a passagem de uma referência pontual para uma genérica.

1.4. Com a referência a Rousseau “ não é um retorno rousseuaniano a um mundo idílico ou aos costumes do “ bom selvagem” ”( linha 5-6) pretende-se:

A. sintetizar a tese que acabou de se apresentar.
B. resumir a tese que acabou de se apresentar.
C. esclarecer a tese que acabou de se apresentar.

1.5. A coesão lexical conseguida pela passagem da expressão “raça humana”(linha 1) a “espécie humana.” (linha 7-8) revela:

A. uma preocupação de rigor científico.
B. uma preocupação por diversificar o vocabulário.
C. uma preocupação estilística.

1.6. A palavra “danos” (linha 21) recupera lexicalmente:

A. “A tecnologia, como aplicação prática dos conhecimentos humanos” (linha19).
B. o sinónimo parcial “degradação” (linha 20).
C. o sinónimo parcial “degradação” (linha 20) e dois predicados verbais anteriores.



2. Escreva na sua folha de teste o número da coluna A e a alínea correspondente da coluna B, de modo a obter afirmações verdadeiras.

A
B
1. Com a expressão: “com que os homens dos finais do século XX” ( linha 4) a) introduz-se uma informação acessória e/ ou complementar, pelo que se recorre a uma oração relativa explicativa.

2. Com a expressão:”que (…) se refere às condições de sobrevivência da espécie humana.”(linha7-8) b) estabelece-se uma relação de consequência com a ideia anterior.

3. Com a expressão: “No entanto, esta consciencialização crescente da população…”
(linha 14) c) introduz-se uma informação adicional sobre o referente que é antecedente do pronome relativo.

4. Com a expressão: “É o próprio ser humano, que a maneja e a dirige, “ (linha 21) d) estabelece-se um mecanismo de coesão frásica por uma oposição com a ideia da frase anterior.



GRUPO III


Ao longo da História da humanidade, domesticamos a força da natureza, anulando barreiras espaciais e temporais, mas até quando o conseguiremos, dadas as surpresas trágicas com que nos tem surpreendido?!
Na eterna luta entre Homem e Natureza, qual dos dois sai vencido/ vencedor?


Num texto bem estruturado, com o mínimo de duzentas e um máximo de duzentas e cinquenta palavras, apresente uma reflexão sobre as ideias expressas no excerto anterior. Para fundamentar o seu ponto de vista, recorra, no mínimo, a dois argumentos, ilustrando cada um deles com um exemplo significativo.











COTAÇÕES DA PROVA

EXPLICITAÇÃO QUANTITATIVA DA COTAÇÃO
A...............................................................( 70 pontos)
1..............................................................( 9+6) 15 pontos
2..............................................................(12+8) 20pontos
3............................................................. ( 9+6) 15 pontos
4. ............................................................( 12+8) 20pontos

B..............................................................(30 pontos)
Critérios específicos de classificação
Aspectos de conteúdo...........................................18 pontos
Qualidade e coerência dos juízos de leitura formulados........ 9 pontos

Pertinência das referências feitas à obra.......................................................... 9 pontos

Aspectos de organização e correcção linguística....................................................12pontos
Estruturação do discurso*......................................7 pontos
Correcção linguística**........................................5 pontos

Grupo II

1.1 a 1.6...............................................(6x5p)............30 pontos

1.7. ..................................................(4x5p).............20 pontos
Grupo III
Estruturação temática e discursiva (C) * ………………..…………………. 30 pontos
Correcção linguística (F)** ……………………………………………… 20 pontos
_____________
Total ..............................200 pontos






CRITÉRIOS ESPECÍFICOS DE CLASSIFICAÇÃO
E RESPECTIVOS CENÁRIOS DE RESPOSTA
Grupo I
A.
1.......................................... 15 pontos
Critérios específicos de classificação
Aspectos de conteúdo........................9 pontos

Identificação dos dois sujeitos de enunciação ( 1ª e 3ª pessoa singular através de formas verbais e pronomes pessoais)
Fundamentação/ justificação da mudança de sujeito de enunciação

Aspectos de organização ecorrecção

linguística...................................................6 pontos

Estruturação do discurso*.................................... 3 pontos
Correcção linguística**...................................... 3 pontos

Cenário de resposta

Na verdade, a composição poética exibe um sujeito de enunciação a várias vozes, já que se apresenta na primeira e terceira pessoa do singular.
Relativamente à primeira, presente nas duas primeiras estrofes, como confirmam as formas verbais “ quero”, “ tomo” e o pronome pessoal “ eu”, justifica-se por se tratar de uma perspectiva/ experiência pessoal do sujeito poético
Finalmente, na terceira estrofe o sujeito de enunciação surge na terceira pessoa do singular, “ é”, “ vai”, “ seja”, “ se”, traduzindo um sujeito indeterminado, impessoal com uma amplitude globalizante e universal, abrangendo todo e qualquer ser humano.


Critérios específicos de classificação

2...........................................................20 pontos

Aspectos de conteúdo........................................12 pontos

Transcrever marcas de objectividade e subjectividade

Explicar a fusão/ anulação do subjectivismo em realidades concretas, objectivas.

Aspectos de organização e correcção linguística..................................................8 pontos
Estruturação do discurso*................................... 4 pontos
Correcção linguística**..................................... 4 pontos

Cenário de resposta

Sendo Caeiro o poeta do real objectivo, espera-se que a sua poesia nos dê as realidades concretas da natureza que contempla: “ sol”, “ montanhas”, “erva”.
Contudo, a par dessa natureza concreta, e neste poema especificamente, apresenta-nos a forma como encara sentimentos, emoções, que, à partida, rejeita por virem do pensamento que recusa: “ Mas eu nem sempre quero ser feliz/ é preciso ser de vez em quando infeliz”.
Assim, tudo o que é subjectivo e consequentemente particular em todos os homens, nele não tem qualquer existência interior, já que a infelicidade ou a felicidade não são mais do que “ montanhas e planícies” e “rochedos e ervas”.
Em suma, todas as emoções, sentimentos, a existirem, serão realidades objectivas da natureza, pois só elas são reais.


3.......................................................... 15 pontos

Critérios específicos de classificação
Aspectos de conteúdo.........................................9 pontos

Enunciar três condições para se atingir o estado natural.
Aspectos de organização e correcção linguística.....................................................6 pontos
Estruturação do discurso*...................................... 3 pontos
Correcção linguística**........................................ 3 pontos

Cenário de resposta
É na última estrofe que mais explicitamente, o sujeito lírico apresenta as exigências que se impõem para ser natural, isto é, fazer parte integrante da natureza.
Em primeiro lugar, há que ser “ natural e calmo”, mesmo perante os supostos sentimentos antagónicos, que para ele não existem.
Consequentemente, é preciso fazer do olhar o nosso sentimento” sentir como quem olha”.
Por fim, como andar natural e espontâneo,assim deve ser o nosso pensamento” Pensar como quem anda”.


4..................................................... 20 pontos

Critérios específicos de classificação
Aspectos de conteúdo.................................. 12 pontos

Função de ensinamento/ exemplo resultante da atitude sensacionista

Aspectos de organização e correcção linguística..................................................8 pontos
Estruturação do discurso*................................... 4 pontos
Correcção linguística**..................................... 4 pontos



Cenário de resposta
Primeiramente, convém lembrar que é da filosofia de vida sensacionista em contacto, comunhão e fusão com a natureza que resulta a função pedagógica, de exemplo. Seguindo o mestre, aprenderemos a viver sem sentimentos, por vezes contrários, que prejudicam a vida plena,
É da última estrofe que se extrai o maior ensinamento, encarar as armaguras e vicissitudes da vida, incluindo a morte, como naturais e belas: “E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre, /E que o poente é belo e é bela a noite que fica...”. Trata-se, no fundo, de reconhecer que, sendo cada um de nós natureza, teremos de encarar a morte com simplicidade e beleza, pois é essa a ordem natural de todas as coisas e seres“ Assim é e assim seja...”.


B

Critérios específicos de classificação
Aspectos de conteúdo..............................................18 pontos
Qualidade e coerência dos juízos de leitura formulados............ 9 pontos

Pertinência das referências feitas à obra.................................................. 9 pontos

Aspectos de organização e correcção linguística...................................................12pontos
Estruturação do discurso*.................................... 7 pontos
Correcção linguística**...................................... 5 pontos

Cenário de resposta

Dada a natureza do item e as limitações de extensão não há um cenário rígido de resposta. Considera-se totalmente completa a resposta que contemple a referência aos binómios, reconhecendo a forte intelectualização do Ortónimo, quer na sua concepção de trabalho artístico, baseado no fingimento, quer na sua autognose, conhecimento de si proprio.
Para concretização da fundamentação, considerar-se-ão válidas todas as referências a poemas estudados na aula, desde que pertinentes e oportunas.

Grupo II

1................................................( 6x5pontos= .......30 pontos

Critérios específicos de classificação

Identificação dos mecanismos de coesão interfrásica/ temporal, referencial e lexical.



Cenário de resposta
1.1...........................B
1.2...........................B
1.3...........................A
1.4...........................C
1.5...........................A
1.6...........................C


2. ........................(4x5) = ......................20 pontos

Critérios específicos de classificação

1................................................b
2................................................c
3................................................d
4................................................a


Grupo III

A produção de texto visa avaliar a expressão escrita do examinando.
Tratando-se de um item de resposta aberta extensa, no qual se requer um texto de reflexão, o
professor classificador deve observar, ao classificar o texto do examinando, o domínio das seguintes
capacidades:
– estruturação de um texto com recurso a estratégias discursivas adequadas à defesa de um
ponto de vista e reflectindo a operação prévia de uma planificação produtiva;
– elaboração de um texto coerente e coeso;
– produção de um discurso correcto nos planos lexical, morfológico, sintáctico, ortográfico e de
pontuação.

Critérios específicos de classificação
Estruturação temática e discursiva (C) * ………………..………………………….... 30 pontos
Correcção linguística (F)** ………………………………………………………… 20 pontos

Cenário de resposta

Dada a natureza deste item – de resposta aberta extensa –, não é apresentado cenário de resposta.

Factor específico de desvalorização relativo ao desvio dos limites de extensão
Sempre que o examinando não respeite os limites relativos ao número de palavras indicados na
instrução do item, deve ser descontado um (1) ponto por cada palavra (a mais ou a menos), até ao
máximo de cinco (1 x 5) pontos, depois de aplicados todos os critérios definidos para o item.
Nos casos em que, da aplicação deste factor de desvalorização, resultar uma classificação inferior a zero (0) pontos, é atribuída a essa resposta a classificação de zero (0) pontos.

Nota – Para efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra, independentemente dos algarismos que o constituam (ex.: /2008/).



Critérios para classificação do item de ensaio/ composição/ resposta extensa

Tema /Tipologia Trata o tema e respeita a tipologia sem desvios.
Trata o tema e tipologia com ligeiros desvios que não os comprometem. Trata o tema mas afasta-se da tipologia.

Argumentação

Coerência/Pertinência da informação Argumenta com eficácia, recorrendo a exemplos concretos e com informação ampla e diversificada.
Argumenta com alguma eficácia mas apresenta exemplos redundantes ou um só exemplo com informação suficiente. Argumenta com reduzida eficácia, não apresentando exemplos e com informação insuficiente.
Estruturação discursiva

Estrutura o texto, reflectindo planificação prévia e um domínio absoluto dos mecanismos de coesão textual. Estrutura o texto com domínio irregular dos mecanismos de coesão textual, nomeadamente pela estruturação linear. Redige um texto com estruturação muito deficiente, desprovido de
mecanismos elementares de coesão textual.
Repertório lexical Tem um repertório lexical com propriedade e variedade.
Tem um repertório lexical com propriedade e variedade razoáveis.
Tem repertório lexical elementar e restrito, não raro redundante e/ou
inadequado
Registo de língua Faz uso correcto do registo de língua adequado, eventualmente com esporádicos afastamentos, justificados pela intenção comunicativa mas devidamente apresentados. Faz uso razoável do registo de língua, eventualmente com esporádicos afastamentos, injustificados pela intenção comunicativa e indevidamente apresentados.


Utiliza indiferenciadamente registos de língua, sem manifestar
consciência do registo adequado ao texto, ou um único registo inadequado.
Nível 30-25 24-15 0-14

Factores de desvalorização, no domínio da correcção linguística (F), das respostas abertas
curtas e extensas

• Por cada erro de sintaxe ou de impropriedade lexical são descontados dois (2) pontos.
• Por cada erro inequívoco de pontuação, ou por cada erro de ortografia (incluindo acentuação,
translineação e uso convencional de maiúscula) é descontado um (1) ponto.
• Por cada erro de ortografia repetido ao longo da prova (incluindo acentuação, translineação e uso convencional de maiúscula) deve proceder-se apenas a uma desvalorização.
• Os descontos por erro de utilização de letra maiúscula são efectuados até ao máximo de cinco
(5) pontos na totalidade da prova.
• Por cada erro de citação de texto (uso indevido ou não uso de aspas, ausência de indicador(es)
de corte de texto, etc.) ou de referência a uma obra (ausência de sublinhado ou não uso de aspas
no título, etc.) é descontado um ponto.
• Os descontos por erro de citação de texto ou de referência a uma obra são efectuados até ao
máximo de cinco (5) pontos na totalidade da prova.
• Os descontos por aplicação dos factores de desvalorização no domínio da organização e
correcção linguística são efectuados até ao limite das pontuações indicadas para este critério.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Matriz 4º teste 12º ano

ESCOLA SECUNDÁRIA RAINHA DONA LEONOR
Português 12º ano
Matriz do 4º teste sumativo ( Fevereiro de 2009)
Prof. Euclides Rosa


Grupo I (100 pontos)
Objectivos

1. Compreender globalmente o texto.
2. Delimitar e justificar momentos de um poema
3. Relacionar marcas de subjectivismo e objectivismo.
4. Enunciar três aspectos relevantes do texto.
5. Explicar função de ensinamento/ exemplo veiculada no poema.

Conteúdos - Fernando Pessoa- Ortónimo:
- fingimento artístico
- dor de pensar
- binómios : consciência, inconsciência, razão, coração, sentir/ pensar
- Heterónimo- Alberto Caeiro:
- Sensacionismo
- poeta da natureza sem gente
- poeta antimetafísico
- Informação textual
- Sujeitos gramaticais de enunciação: suas marcas nas formas verbais e pronomes.
- Marcas de subjectividade e objectividade
- Intenção comunicativa e poética


Tipologia de Questões

A
- 4 itens de resposta fechada/curta

B- 1 item de ensaio de extensão compreendida entre 100 e 120 palavras

( Avaliam-se também a competência de expressão escrita: estruturação discursiva e correcção linguística)

Grupo II ( 50 pontos)

Objectivos

1. Reconhecer valor de diferentes mecanismos de coesão textual, temporal, referencial, lexical
2. Identificar mecanismos de coesão interfrásica e seu respectivo valor.

Conteúdos
- Coesão

Tipologia de Questões
- seis itens escolha múltipla
- quatro itens de associação

Grupo III (50 pontos)

Objectivos

- Aplicar uma técnica e /ou modelo de escrita
- Exprimir opiniões/ críticas.
- Argumentar e exemplificar.
- Manifestar competências de expressão escrita

Conteúdos
- Texto expositivo-argumentativo, de opinião sobre tema decorrente do programa
- Competências de expressão escrita

Tipologia de Questões

- Item de resposta aberta/extensa valorizada pela estruturação temática e discursiva e pela correcção linguística)

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Antes o voo da ave, que passa e não deixa rasto

XLIII

Antes o voo da ave, que passa e não deixa rasto,
Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão.
A ave passa e esquece, e assim deve ser.
O animal, onde já não está e por isso de nada serve,
Mostra que já esteve, o que não serve para nada.

A recordação é uma traição à Natureza,
Porque a Natureza de ontem não é a Natureza.
O que foi não é nada, e lembrar é não ver.

Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!

Alberto Caeiro, « O Guardador de Rebanhos»


Numa composição cuidada, analisa o poema, tendo em conta:


- binómio voo/rasto, ver/ pensar e sua relação com o binómio presente/ passado
- relação do eu com a natureza,
- sentimento de incapacidade e limitações do sujeito poético
- divisão fundamentada do poema em partes lógicas
- reursos linguísticos relevantes

Li hoje duas páginas

Li hoje duas páginas
Do livro de um poeta místico,
E ri como quem tem chorado muito.

Os poetas místicos são filósofos doentes,
E os filósofos são homens doidos.

Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem
E dizem que as pedras têm alma
E que os rios têm êxtases ao luar.

Mas as flores se sentissem, não eram flores,
Eram gente,E se as pedras tivessem alma,
eram cousas vivas, não eram pedras;

E se os rios tivessem êxtases ao luar,
Os rios seriam homens doentes.

É preciso não saber o que são flores e pedras e rios
Para falar dos sentimentos deles.
Falar da alma das pedras, das flores, dos rios,
É falar de si próprio e dos seus falsos pensamentos.
Graças a Deus que as pedras são só pedras,
E que os rios não são senão rios,
E que as flores são apenas flores.

Por mim, escrevo a prosa dos meus versos
E fico contente,
Porque sei que compreendo a Natureza por fora;
E não a compreendo por dentro
Porque a Natureza não tem dentro;
Senão não era Natureza.

Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos,XVIII



1. A reacção à leitura do livro do poeta místico não desperta no sujeito lírico um sentimento antitético. Assim, como interpretas o verso “ E ri como quem tem chorado muito.”


2. Enumera os motivos apresentados que permitem a comparação dos poetas místicos aos filósofos.


3. Transcreve os versos que mostram uma atitude antimetafísica, a despreocupação pelo mistério oculto das coisas.


4. Retira do poema todas as orações subordinadas condicionais.


5. Indica a condição apresentada pelo sujeito poético para atingir o verdadeiro conhecimento da natureza.


6.” Falar da alma das pedras, das flores, dos rios/ é falar de si próprio e dos seus falsos pensamentos” . Comenta a frase, relacionado-a com o sensacionismo objectivo e a recusa da intelectualização constantemente defendida por Caeiro.


7. Caracteriza a linguagem do poema, referindo-te às classes de palavras , tipos e formas de frases, estruturas frásicas( coordenação, subordinação), tempos e modos verbais, recursos estilísticos utilizados.

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.

O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.

O Tejo desce de Espanha.
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia.
E para onde ele vai.
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

Pelo Tejo vai-se para o mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

Alberto Caeiro, Poemas Completos, Comp. José Aguilar, Rio de Janeiro, 1972















1. No início do poema afirma-se em sequência: “ O Tejo é mais belo.../O Tejo não é mais belo...” (v.v. 1,2)
1.1. Com base na leitura do texto, apresenta as razões desta mudança da forma afirmativa para a negativa.


2. “E navega nele ainda, (v. 5)/...a memória das naus.”(v. 7)
2.1. Comenta o valor expressivo desta afirmação.


3. “...aqueles que vêem em tudo o que lá não está...” (v. 6)
3.1. Explicita o sentido desta afirmação


4. O texto afirma-se que o “rio da minha aldeia” é mais livre e maior (v. 15).
4.1. Refere o significado desta afirmação, neste contexto.



5. Todo o poema é atravessado pela comparação entre o Tejo e “o rio da minha aldeia”.
5.1. Indica o grau em que se encontram os adjectivos que estabelecem essa comparação. Exemplifica.


6. Dos rios referidos no poema, um é nomeado com um substantivo próprio, o outro com um substantivo comum.
6.1. Justifica esta afirmação com transcrições do texto.
6.2. Relaciona essa diferente nomeação com o significado que cada um dos rios assume no poema.


7. Há um momento do texto em que o Tejo surge associado à procura de uma vida melhor.
7.1. Aponta esse momento e selecciona as palavras que melhor exprimem essa associação.


8. “Quem está ao pé dele está só ao pé dele” (v. 22)
8.1. Analisa o processo de construção do sentido presente neste verso.



9. Refere as marcas características da poesia de Alberto Caeiro presentes no poema.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Caeiro, o Mestre

Alberto Caeiro “ heterónimo sem máscara”

( prof: Euclides Rosa)

Na introdução a Caeiro, Ricardo Reis afirma que os poemas de Caeiro são rigorosamente unificados por um pensamento filosófico. Nos poucos poemas analisados podemos descobrir alguns traços dessa unidade de pensamento, expressa nas seguintes aproximações metafóricas:
Primeira “ Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.”

Segunda: Pastor e guardador de rebanhos:
“ Sou um guardador de rebanhos”

Terceira: Rebanho e pensamentos:
“ O rebanho é os meus pensamentos...”
... olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,
Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho.”

Quarta: Pensamentos e sensações:
“ E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la”

A alma é pois identificada gradativamente com pastor, rebanhos, pensamentos, sensações, coisas.
Pode acaso passar no viso do monte uma diligência e saudar o pastor: “ Olá, guardador de rebanhos...” que a sua passagem nada modifica e “ a estrada não ficou mais bela, nem sequer mais feia”. Pastor habita o Vazio e não se prende a ideias, opiniões, sentimentos...” pastor do monte, tão longe de mim com as tuas ovelhas/ Na cidade a vida é mais pequena que aqui na minha casa no cimo deste outeiro./ Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave, escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o Céu/ tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar/ E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.
Caeiro não dá pela face oculta das coisas, vê apenas a realidade imediata e sensível. Torna-se coisa entre as coisas e vê como coisa sem esperança, desejos, beleza... A síntese da acomodação fá-lo feliz.
Caeiro, porém, não se diz categoricamente pastor: compara-se a um pastor. Por isso, ainda afloram sentimentos extra-sensações e extra-coisa: “ Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois/ Quem me dera que eu fosse o pó da estrada... Disso parece aperceber-se Caeiro, ao afirmar” Se às vezes digo que as flores sorriem/ E se eu disser que os rios cantam/ Não é que eu julgue que há sorrisos nas flores / E cantos no correr dos rios.../ É porque assim faço mais sentir aos homens falsos/ A existência verdadeiramente real das flores e dos rios./ Porque escrevo para eles me lerem, / Sacrifico-me ás vezes à sua estupidez de sentidos.../ Procuro dizer o que sinto/ sem pensar em que o sinto./ Nem sempre consigo sentir o que sei que devo sentir./ O meu pensamento só muito devagar atravessa o rio a nado/ porque lhe pesa o fato que os homens o fizeram usar”.
É a bem dizer, o regresso a Pessoa.
Não surpreende que lhe venha até a tentação de perguntar às coisas onde está o seu mistério, o seu lado oculto.
“O mistério das coisas? Sei lá o que é o mistério!”
“O mistério das coisas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-se que é mistério?”
É evidente que quem se identifica com a flor, o rio, a árvore, o vento não pode nunca inquirir nada acerca de mistério algum.
“Que sabe o rio e que sabe a árvore
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?”
Na verdade, sendo as coisas unicamente aquilo que parecem ser, nada há que compreender nelas. Isto é a negação absoluta da possibilidade de conhecer, de descobrir o porquê da realidade, “As coisas, segundo Caeiro, não têm significação, mas só existência.”

Por isto, os versos escritos a nenhuma ambiguidade ou conotação podem estar submetidos: são evidentes como as coisas. Como a flor não pode esconder a cor, nem árvore o fruto, assim o poeta da natureza deve ser nos seus versos. Caeiro, no dizer de Pessoa, é o místico da natureza.
Um misticismo muito diferente do praticado pelos místicos.
“Tu, místico, vês uma significação em todas as coisas.
Para ti tudo tem um sentido velado.
Há uma coisa oculta em cada coisa que vês.
O que vês, vê-lo sempre para veres outra coisa.
Para mim, graças a ter olhos só para ver,
Eu vejo ausência de significação em todas as coisas;
Vejo-o e amo-o, porque ser uma coisa é não significar nada.
Ser uma coisa é não ser susceptível de interpretação.”
“Se quiserem que eu tenha um misticismo, está bem, tenho-o:
Sou místico, mas só com o corpo.
A minha alma é simples e não pensa.
O meu misticismo é não querer saber.
É viver e não pensar nisso.”

Uma tragédia, entretanto, acontece a um tal pastor singular, que nega poder conhecer qualquer realidade, com a perda do cajado.
“Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos...”
Não há pastor sem cajado ou vara para conduzir o rebanho. Ele é seu amor.
“O pastor amoroso perdeu o cajado,
E as ovelhas tresmalharam-se pela encosta,
E, de tanto pensar, nem tocou a flauta que trouxe para tocar.
Ninguém lhe apareceu ou desapareceu. Nunca mais encontrou o cajado.
Outros, praguejando contra ele, recolheram-lhe as ovelhas.
Ninguém o tinha amado afinal.”
Que simbolismo se atribuirá ao cajado? O cajado talvez possa querer sugerir a redução a uma coisa.
“Agora só me importa a luz da janela dele.
Apesar de a luz estar ali por ele a ter acendido,
A luz é a realidade imediata para mim.
Eu nunca passo para além da realidade imediata.
Para além da realidade imediata não há nada.”
Perdido o cajado, perdida foi a identidade com as coisas, a visão pura da realidade imediata.
O jogo cénico e o fingimento podem cessar. A janela aberta de uma solução para a paz de espírito fecha-se. As diligências circulam pelo outeiro, mas já não saudam o pastor.
“Todos os dias acordo com alegria e pena.
Antigamente acordava sem sensação nenhuma; acordava.
Tenho alegria e pena porque perco o que sonho
E posso estar na realidade onde está o que sonho.”

A biografia de Caeiro situa-se dentro dos limites naturais, fora de qualquer transcendência.
“Tenho só duas datas- a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra coisa todos os dias são iguais.
Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento do ver.
Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras:
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.
Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso, fui o único poeta da natureza.”

Olhos azuis, infantis e atentos, Caeiro passa o tempo a ver as coisas da natureza, com a visão das coisas. Pastor contemplativo, feliz de ser pastor-flor, pastor-vento, pastor-pedra, guarda os pensamentos, isto é, a paz que vem de não pensar como as coisas. Convenhamos que é uma tarefa dificílima.
Como se explica que, ignorante da vida e das letras (apenas uma instrução primária) Caeiro tenha chegado, sem brilhantes raciocínios metafísicos e filosofias, a um grau tão elevado de penetração num mundo que, por nós habitado, modificaria totalmente os comportamentos humanos? Só por uma intuição sobre-humana como aquelas que fundam religiões... Este homem descreveu o mundo sem pensar nele e criou um conceito de universo que não contém uma interpretação.”
Onde morre o pensamento (Caeiro tenta que os pensamentos não entrem no seu redil) nascem a intuição e os sentidos.”
“Eu não tenho filosofia; tenho sentidos!” Eu nem sequer sou poeta: vejo.”
Caeiro tenta transpôr a dualidade sujeito-objecto, fundindo-os.
“Procuro despir-me do que aprendi,
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu, não Alberto Caeiro,
Mas um animal humano que a natureza produziu.”
Ainda assim, sou alguém.
Sou o Descobridor da natureza.
Sou o Argonauta das sensações verdadeiras.”

Caeiro revela-se, pois, numa perspectiva sensacionista, naturalista, objectiva e anti-metafísica. Finge ver apenas a realidade imediata e sensível, sem dar pelo oculto. Torna-se coisa entre as coisas.
Este problema já noutras eras lançou polémica com os “universais”.
Para uns era impossível compreender a realidade; para outros, nada mais se podia compreender além da realidade imediata.
Talvez por isso o poeta afirme:
“Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer coisa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.”
Caeiro tenta identificar o sentir e o pensar. A metafísica é para ele uma doença do pensamento.

Caeiro, segundo Pessoa, é o objectivismo total e é o mestre. Nesta linha de objectivismo absoluto, Reis apresenta Caeiro como “argonauta das sensações verdadeiras, o grande libertador que nos restituiu, cantando, o nada luminoso que somos.”
Caeiro é ainda apelidado por Pessoa de místico puro, por recusar o pensamento e a reflexão, meios de apreensão do universo. “Sou místico, mas só com o corpo, afirma Caeiro.
Este misticismo recusa a metafísica, “a doença do pensamento”. De quatro canções que o renegam assegura Caeiro que foram escritas estando ele doente.
“Porque o único sentido oculto das coisas
É elas não terem sentido oculto nenhum.”
Ah!, os sentidos, os doentes que vêem e ouvem...”
Mas por que me interrogo, senão porque estou doente?
E assim o mestre atinge um grau de aceitação dos acontecimentos com uma paz eterna. Vê as coisas e aceita-as sem julgar que servirá de alguma coisa o criar ilusões para se julgar feliz.
Um homem assim como que purificado ou como que deus, nem sequer pode pensar em Deus:
“Pensar em Deus é desobedecer a Deus,
Porque Deus quis que o não conhecêssemos,
Por isso se nos não mostrou.”

Deste modo também o poeta, debruçado da janela ao entardecer, e “cujo olhar é nítido como o girassol”, escreve sem pensar, sem se sujeitar a regras de elaboração, tão naturalmente como tudo o que é natural e espontâneo.
“Ser poeta não é uma ambição minha,
É a minha maneira de estar sozinho.”
Escrever para o poeta pastor é tão natural como a árvore florir.
“Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor,
Nem o rio esconder que corre,
Nem a árvore esconder que dá fruto.”
E ao lerem os meus versos pensem que sou qualquer coisa natural – por exemplo a árvore antiga...”
“Não me importo com as rimas. Raras vezes
Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.
Penso e escrevo como as flores têm cor
Mas com menos perfeição no meu modo de exprimir-me
Porque me falta a simplicidade divina...
“Por mim escrevo a prosa dos meus versos
E fico contente.”
“E há poetas que são artistas
E trabalham nos seus versos/como um carpinteiro nas tábuas.”
Que triste não saber florir”
Ter que pôr verso sobre verso, como quem constrói um muro
E ver se está bem, e tirar se não está!...
A linguagem de Caeiro, “que se quer natural como o levantar do vento”, distingue-se pelo ritmo livre, alicerçado num sistema de repetições fónicas e semânticas constantes, na espontaneidade. Linguagem próxima da prosa, (prosa poética) volta-se para o elogio do real e objectivo e tenta inviabilizar a elaboração e o trabalho pensado.
Evidentemente que Caeiro todo é contradição. Se é pastor de pensamentos, como os nega? Como, se sabe da sua existência? Não são as suas ovelhas? A própria apreciação do real é subjectiva, particular, pessoal.
Caeiro mostra a propensão de Pessoa para a fantasia e metafísica.
Não passa dum metafísico, a desejar “passar como a ave sem deixar rasto...”
Para Pessoa, Caeiro é “um Pascoais virado do avesso”, porque o poeta do Marão é o poeta da natureza metafísica.
Em Caeiro há reminiscências de Cesário Verde.

Menino da sua mãe

MENINO DA SUA MÃE

( por Euclides Rosa)

Interlúdio

Quase todo o poema se desenrola, pintando-nos um quadro que, de certo modo, nos transporta pra uma situação de guerra. Para justificar tal afirmação, atente-se, por exemplo, nas palavras “ balas, farda...”
Neste quadro emerge um jovem alvo e louro, jazendo frio e cego, no campo abandonado da peleja. Observando todos os pormenores, o poeta detem-se especialmente sobre dois objectos: a cigareira e o lenço branco, carregados de particular valor afectivo. Isto revela da parte do poeta um conhecimento profundo dos factos, se bem que que não concorra para uma imparcialidade que é vaga e pouco definida ao longo do texto. São suas demonstrações algumas exclamações “ tão jovem! Que jovem era! Malhas que o império tece!, num discurso figurativo e valorativo que testemunham o envolvimento sentimental do poeta face a tal espetáculo. Por outro lado, a parte final do poema, aclara e denigre a onisciência do poeta que, através do conjuntivo desiderativo( desejo), se associa à esperança vivida em casa do “ Menino da sua mãe”.
De ponta a ponta, a linguagem poética está impregnada de subjectivismo e manifestações de opinião e sentimentos pessoais, especialmente pela adjectivação.


Foco

O quadro, porém, de características descritivas, narrativas e líricas, apresenta-nos dois planos nítidos, o exterior e o interior. O primeiro é o campo de batalha onde a morna brisa parece ser um espectador silencioso da tragédia; o segundo identifica-se com a casa da família do jovem onde se fazem súplicas pelo seu regresso. Mal sabe a pobre da mãe que o seu menino deixou de ver o sol por causa das malhas que a ambição imperialista tece!
Os verbos jazer, arrefecer, apodrecer transmitem a inutilidade da guerra, a estagnação e a quebra da continuidade da vida. Em polo oposto, os braços estendidos e o olhar contemplando o céu serão talvez indicativos da paz e do descanso eterno e de um futuro que será alimentado pela chama da sua saudade e do seu regresso.
É óbvio que a cigarreira e o lenço branco são elos de relacionação entre os dois planos.
Transmite-se uma mensagem, a inutilidade do presente. A morte interseciona a vida que é uma guerra. Todos vestimos uma farda para lutar contra os dissabores e batalhas inicialmente perdidas. A causa da inutilidade presente do menino é fruto da sede de expansionismo, da crueldade da vida. DE algum modo, à vida segura do lar opõe-se a vida insegura e arriscada da guerra. Os dissabores da avidez e cobiça estão sugeridos pelas balas, “ duas de lado a lado”, e pelo verbo trespassar. A atitude niilista não é aqui consequência duma filosofia de vida, mas duma sociedade em que a ambição monopoliza a audácia humana.
Todo o poema, embora nos pareça contar simplesmente e de um modo omnisciente a história do menino da sua mãe, mantém uma perspectiva pessoal e particular, especialmente nos lamentos exclamativos acerca da morte do menino soldado, no entanto, irá servir de alimento à imaginação e da esperança a todos aqueles que, por largo tempo, o ficam esperando, talvez possamos ver nele uma reprodução do mito sebástico.

Um eu dramático

O Teatro em Pessoa

Fernando Pessoa, poeta múltiplo como o universo, assumiu a Arte como uma missão, ao viver abissalmente para a criação mito-poética de suas personas, podendo ser comparado a Shakespeare, Van Gogh e Artaud, que viveram para a Arte ao assumir a existência como um ritus, onde a Arte tinha que ser o centro de tudo, ter um carácter duplo de vida e de morte.
Pessoa despersonaliza-se no labirinto da linguagem e nela cria seu palco como um autêntico Dionisos, fazendo emergir os outros Eus tão distantes e próximos de seu olhar. Tece esse fio criador e percorre como Dédalo o labirinto da criação. E nele ri... chora... canta... morre... nasce e expande-se, através das máscaras Chevalier de Pas, Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Bernardo Soares, Alexander Search, Fausto, as veladoras do Marinheiro e tantas outras que brotam do seu Ser.
Construindo esse universo ficcional e tão real, já que Fingir é Conhecer-se, Pessoa pasma-se e, num êxtase dionisíaco adentra as trevas inebriando e encantando as almas como Orpheu. Na ágora do imaginário povoa o mundo com seus versos, que falam da humanidade. Ele já não sabe, sabendo que não é, sendo o Guardador de Rebanhos, o poeta da natureza, o mestre de Si e dos Outros, já que seu criador o quis. A persona Caeiro negando a especulação das subjectividades metafísicas interpreta o mundo a partir dos sentidos: ``Penso com os olhos e com os ouvidos/ E com as mãos e os pés / E com o nariz e a boca''.
A fragmentação faz-se, e eis que se instala a tragicomédia na criança de outrora, que brincava de ser outros, um certo Chevalier de Pas, que fazia da existência de Pessoa uma festa, possibilitando-lhe o vôo da dissimulação:
``Desde criança tive a tendência para criar em meu torno um mundo fictício, de me cercar de amigos e conhecidos que nunca existiram. Esse mundo tão diverso, onde várias são as vontades e as procuras, gera a inquietude num sujeito, cujas máscaras insistem em fazer-se vida e a vida é gerada palavra a palavra num outro'' - Eu Álvaro de Campos, o qual assume também a multiplicidade e já se torna outros.
Álvaro de Campos constrói a Ode Triunfal e brinca de ser máquina, uma certa máquina de um progresso que pulsa das entranhas do homem para o que supostamente chamamos realidade: ``Ah poder exprimir-me todo como um motor se exprime! / Ser completo como uma máquina! / Poder ir na vida triunfante como um automóvel último modelo!''. E a realidade é para Campos um outro caminho que o conduzirá por um infinito mar, em que o homem torna-se o arquétipo do navegante ritualizando as pulsões marítimas, passível do prazer e da dor. ``No mar, no mar, no mar, no mar, / Eh! pôr no mar, ao vento, às vagas, / A minha vida! / Salgar de espuma arremessada pelos ventos / Meu paladar das grandes viagens''.
O Sensacionismo de Campos ultrapassa limites e numa vertigem insaciável busca na Passagem das Horas. Ele procura como seu próprio criador o afago em um cigarro de uma certa Tabacaria longe do tempo e do espaço, mas também dentro do tempo e do espaço, onde se presentificam todas as tensões existenciais. A encenação é o Nada, o Nada é a vida, e a vida é também a possibilidade do sonho: ``Não sou nada/ Nunca serei nada/ Não posso querer ser nada/ À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo''. A aventura de Campos, por seu labirinto interior, procura atingir múltiplas paisagens e seu olhar se lança para uma paisagem arquetípica presente na Noite, a grande deusa dos mistérios. Torna-se filho dessa divindade lunar e já não sabe se retorna do útero originário.
As máscaras da noite cedem às do dia e Apolo sorri ao receber a taça de Dionisos. Ricardo Reis surge de Pessoa e passa a caminhar por um tempo de ninfas, musas e sábios. O nada em excesso, a medida de todas as coisas manifesta-se na disciplina desse epicurista, cujo prazer está nos limites do homem diante da potência trágica do destino e do tempo: ``Sofro, Lídia, do medo do destino/ A leve pedra que um momento ergue / As lisas rodas do meu carro, aterra / Meu coração. É necessário sentir a vida pensando-a, para não cometer a falha trágica, querer ser Deus ou mais que ele: Tudo é tudo, e mais alto estão os deuses,/ Não pertence à ciência conhecê-los/ Mas adorar devemos seus vultos como às flores''.
O visionário Pessoa almeja um outro vôo, um vôo pelos caminhos do sonho e do mistério da morte em embate com a vida. Eis que se epifaniza no horizonte da finitude o olhar estático de três veladoras diante de uma morta, cuja imagem é a da vida se des-construindo no tempo. Pessoa encobre-se na imagem do Marinheiro, aquele que paira no oculto das imagens oníricas. O Marinheiro-Pessoa é o navegante construtor de um mundo todo seu onde possa manifestar seus vislumbres, configurado na segunda voz: ``Ao princípio ele criou as paisagens; depois criou as cidades; criou depois as ruas e as travessas, uma a uma, cinzelando-a na matéria de sua alma. Pessoa saboreou longas horas Shakespeare e, talvez, para aplaudi-lo, deu-lhe de presente O Marinheiro, onde se concretiza o que Joyce falara: a emoção trágica, ou antes, a emoção dramática, tem um carácter estático.
O palco pessoano é também a presentificação dos heróis, dos mitos e dos deuses de uma pátria procurada por Pessoa - aquela que não mais voltará, por ser inacessível aos filhos de Géia. Resta-lhe, então, cantá-la na Mensagem para que se consubstancie no mundo da Arte. A Mensagem presentifica a persona épica de Fernando Pessoa em cada voz, seja a de Ulisses: ``O Mitho é o Nada que é tudo/ O mesmo sol que abre os céus /É um mitho brilhante e mudo - ? O corpo morto de Deus, / Vivo e desnudo''. A de D. Diniz: ``Na Noite escreve em seu Cantar de Amigo/ O plantador de naus e haver/ E ouve um silêncio murmuro consigo:/ É o rumor dos pinhaes que, como um trigo/ De Império, ondulam sem se poder ver''. A de D. Sebastião: ``Louco, sim, louco, porque quis grandeza/ Qual a Sorte a não dá./ Não coube em mim minha certeza:/Por isso onde o areal está/ Ficou meu ser que houve, não o que há''.
Como nos diz Augusto Seabra, a poesia de Pessoa é vista, fundamentalmente, como um jogo do ``vivido'' imaginário, como um ``poetadrama'', mais do que como o drama do imaginário vivido. O labirinto se amplia em curvas e Pessoa é, na verdade, um grande e misterioso baú, donde podem infinitas personas emergir para povoar o grande palco da Arte. Ele ainda brinca de ser Bernardo Soares, o guardador de livros, de Alexandre Search, o fidalgo Barão de Teive, o periodista satírico francês Jean Seul. Vicente Guedes, Mr. Cros, António Mora, Fausto e percorrendo o universo do Eu do Outro como um irreverente Hermes, deixa vir à lume a possibilidade da multiplicidade, do artista apreender o mundo em várias perspectivas e cosmovisões e assim poder se encontrar no desconhecido labirinto da vida, plena de palavras, desvelando emoções, sentimentos e paixões, fazendo-nos sentir-se plural como o universo.
Autopsicografia

O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse combóio de corda
Que se chama coração
(Presença, nº36, Novembro de l932)


Esta composição poética é uma esplêndida síntese do que Pessoa pensava sobre a génese e a natureza da poesia. Podemos, pois, considerá-lo como uma verdadeira "arte poética".
O assunto do poema desenvolve-se em três partes lógicas, que correspondem a cada uma das estrofes.
Na primeira parte, o primeiro verso contém a ideia fundamental do poema, na frase de tipo axiomático "o poeta é um fingidor", que, logo a seguir, é explicado, ou confirmado, por meio de uma particularização centrada na dor.
Quer isto dizer que a poesia não está na dor experimentada, ou sentida realmente, mas no fingimento dela. Isto é, a dor sentida, a dor real, para se elevar ao plano da arte, tem de ser fingida, imaginada, tem de ser expressa em linguagem poética, o poeta tem que partir da dor real, a dor que deveras sente.
Não basta, para haver poesia, a expressão espontânea dessa dor real, tal como o faria, por exemplo, um doente relatando a sua dor ao médico. Não há poesia, não há arte sem imaginação, sem que o real seja imaginado de forma a exprimir-se artisticamente, de forma a surgir como um objectivo poético (artístico), de forma a concretizar-se em arte.
Esta concretização da dor no poema opera na memória do poeta o retorno à sua dor inicial, parecendo-lhe a dor imaginada mais autêntica do que a dor real. É a sobreposição do objecto artístico à realidade objectiva que lhe serviu de base: “chega a fingir que é dor/a dor que deveras sente”. Isto conduz-nos à ideia de fruição artística, da parte do poeta.
Na segunda parte do poema, o poeta alude à fruição artística da parte do leitor. este não sente a dor real (inicial), que o poeta sentiu, nem a dor imaginária (dor em imagens) que o poeta imaginou, ao ser artífice do poema, nem a dor que eles (leitores ) têm , mas só a que eles não têm. Isto é, o que o leitor sente é uma quarta dor que se liberta do poema, que é interpretado à maneira de cada leitor.
Há na segunda estrofe referência a quatro dores: a dor sentida (real), a dor fingida pelo poeta, a dor real do leitor e a dor lida (dor intelectualizada que provém da interpretação do leitor e que é objecto da sua fruição.
A terceira parte do poema, como a própria expressão "E assim" prenuncia, constitui uma espécie de conclusão: o coração (símbolo da sensibilidade) é um comboio de corda sempre a girar nas calhas da roda (que o destino fatalmente traçou) para entreter a razão. Há aqui uma referência à função lúdica da poesia, que começa na fruição de que o próprio poeta goza, no acto da criação artística. São aqui marcados os dois pólos em que se processa a criação do poema: o coração (as sensações donde o poema nasce) e a razão (a imaginação onde o poema é inventado). Fecha-se neste fim do poema como que um círculo cuja linha limite marca uma pista sem fim em que nunca se esgota a dinâmica do jogo sensação-imaginação.
Quanto aos aspectos morfo-sintácticos, desde logo a ligação por meio do síndeto (coordenativa "e") das três estrofes do poema impondo não só a divisão do texto em três partes lógicas, mas também sugerindo uma sequência lógica no desenvolvimento do assunto.
Os verbos, com excepção da forma teve (pretérito perfeito), encontram-se no presente, o que está de acordo com a natureza teórica do poema, que é anunciada pelo título "Autopsicografia" (estudo que o poeta faz do fenómeno psicológico que nele se passa, no acto de criação artística, portanto no presente).
A forma do perfeito "teve" explica-se porque é exigida para marcar a prioridade temporal em que o poeta experimentou as suas dores em relação ao tempo (presente) em que o leitor experimenta a dor lida.
A expressão infinitiva "a entreter" apresenta-se com um nítido aspecto durativo, insinuando a repetição continuada do processo criativo. Note-se a insistência do poeta no processo mais importante da criação poética : o fingimento. Este processo é marcado pelas formas verbais "finge" e "fingir" e pelo substantivo "fingidor". O verbo fingir (do latim "fingere " = fingir, pintar, desenhar, construir) aponta não apenas para disfarçar, mas também para construir, modelar, envolvendo, assim, todo o processo criativo desenvolvido pelo poeta na produção do poema: o poeta é um artífice.
É interessante a perífrase "os que lêem o que escreve" (para significar os leitores) por ser portadora de uma expressividade especial : aponta para os dois intervenientes fundamentais do processo poético --o emissor (poeta) e os receptores (leitores).
Além da reiteração (repetição), já apontada, do verbo fingir, há ainda a do verbo sentir, que não se deve desligar da repetição do substantivo dor (três vezes), além de outras três vezes que se repete por intermédio de pronomes, ou expressões ("que","as duas", "a que"). A insistência na dor e no sentir está de acordo com o facto de o poeta ter tomado a dor como tema exemplificativo da criação poética e pelo facto de as sensações (o sentir) serem o ponto de partida dessa criação.
Em relação à sensação do sujeito lírico e dos leitores, são expressivos os advérbios: "Finge tão completamente"; ... deveras senta"; "...sentem bem". Estes advérbios sugerem a veemência, o rigor com que a sensação da dor se impõe, quer ao poeta quer aos leitores. Os advérbios estão pois a marcar a intenção do autor: expor a sua teoria poética com rigor. O acto de fingir é tão importante que o poeta o superlativou não apenas pela expressão adverbial "tão completamente", mas também por meio da subordinada consecutiva "que chega a fingir". Notemos que a subordinação (hipotaxe) é muito mais importante do que a coordenação, o que está de harmonia com um discurso teórico que tem por finalidade apresentar uma teoria da criação poética.
Repare-se na expressividade das duas metáforas, de valor altamente simbólico, que se encontram na última estrofe: calhas de roda e comboio de corda. Esse comboio de corda (o coração), ultrapassando o significado denotativo de brinquedo, aponta sobretudo para um sentido simbólico relacionado com a função lúdica da poesia., e assim, gira nas calhas de roda. Também essas calhas de roda ultrapassam o significado de carris (correspondente ao sentido de comboio de corda) para apontarem simbolicamente para um rumo necessário, marcado pelo destino, qualquer coisa que sucede por fatalidade, na vida (na roda da vida).
O poeta, é pois, um ser predestinado a brincar intelectualmente com as sensações, elevando-as ao nível da arte poética, transformando-as num objectivo, artístico, que é o poema, também objecto de fruição lúdica para os leitores.
No que toca à forma do poema, aos seus aspectos fónicos, parecer-nos-á estranho que Pessoa tenha escolhido o verso de redondilha (verso curto de sete sílabas), de feição rítmica popular distribuídos em quadras, para expor uma teoria intelectualizada e de alto nível mental. Trata-se de um entre tantos paradoxos de que o proceder de Pessoa é fértil. note-se que os casos frequentes de transporte, verificados em grande parte dos versos vem reduzir as dificuldades que o metro curto poderia oferecer ao desbobinar do raciocínio do poeta.
A rima é sempre cruzada, apresentando uma certa irregularidade nos versos 1º e 3º da última estrofe. Notar os dois pares rimáticos fingidor/dor e razão/coração, em que se poderá ver uma certa intenção expressiva, se relacionarmos razão com fingidor e o coração com dor: ficariam assim em lugar de destaque, bem marcados os dois pólos de criação poética -- as sensações e o fingimento.
O título do poema pode levar-nos à conclusão de que o poeta quer explicar o processo psíquico que nele se passa, ao elaborar um texto poético. Como se explica, então que o poeta nunca empregue o pronome "eu", nem qualquer verbo na primeira pessoa, e que parte precisamente de uma afirmação axiomática, "O poeta é um fingidor", de aplicação universal, aplicável a todos os poetas? "Este poema está construído na 3ª pessoa como a lei de Newton, ou qualquer outro enunciado científico" - afirma A. J. Saraiva - "para significar que é a inteligência, como um ser autónomo, que explica o processo de criação poética".
Por meio do título, o autor quis significar que a teoria da criação poética, exposta no poema, de valor universal porque aplicável a todo o verdadeiro poeta, foi elaborada por via da auto-introspeccção, por meio da qual Fernando Pessoa verificou o processo em si próprio. O título aponta para o palco de experimentação e verificação de uma teoria poética que o autor julgou de valor universal.
Isto
Dizem que finjo ou minto
Tudo o que escrevo. Não
Eu simplesmente sinto
Com imaginação.
Não uso o coração

Tudo o que sonho ou passo ,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço.
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério é que não é.
Sentir? Sinta quem lê !

O assunto do poema "Isto", tal como o do poema "Autopsicografia" é a teoria da criação literária.Parece até que a afirmação "dizem que finjo ou minto tudo o que escrevo" é uma resposta a críticas nascidas de possíveis interpretações de "Autopsicografia".
O sujeito poético responde na primeira estrofe (primeira parte lógica) que o seu fingimento não é propriamente mentira, mas uma síntese rara (como se ele fosse um predestinado) da sensação e da imaginação.
Enquanto em "Autopsicografia o poeta distinguia entre sensação (dor sentida) e fingimento (dor imaginada), aqui simplesmente sente com imaginação. O poeta parece esquecer, neste poema, o ponto de partida que em "Autopsicografia" era a sensação (coração). Mas, o que realmente acontece, é que ele realiza (no acto de criação poética) a síntese da sensação com a imaginação, sobressaindo esta, porque intelectual, operada pela razão. O poeta não usa o coração porque lhe basta a imaginação, a qual surge como concentração do sensível e do intelectual.
Note-se que este poema foi publicado em l933, na revista Presença, enquanto o poema "Autopsicografia" tinha sido publicado, na mesma revista, menos de um ano antes, em Abril de l932.
Em "Autopsicografia", Pessoa fala na 3ª pessoa, dando a entender que a teoria exposta tem aplicação universal: é um processo verificável em todo o verdadeiro poeta. No poema "Isto", o poeta fala na lª pessoa,
não há nenhuma frase de carácter axiomático, de aplicação universal. Não será porque Pessoa se apresenta aqui como o poeta intelectual por excelência?
Passemos à segunda parte do texto, a qual constitui uma confirmação do conteúdo da primeira estrofe, baseada na experiência vivida do poeta. Todas as contingências da sua vida (“Tudo o que sonho ou passo, o que me falha ou finda”) são como um terraço sobre outra coisa, e essa coisa e que é linda. Essa coisa são os dados da imaginação, são a transfiguração artística operada pela inteligência/imaginação. Note-se a expressividade da comparação "como que um terraço", a simbolizar as aparências que escondem a realidade mais bela. Mas Pessoa não separa o terraço da beleza que ele esconde: as contingências da vida são como que um terraço com tudo o que ele esconde de mais belo. Parece então sugerir, o poeta, que nele a inteligência/imaginação, num único acto de síntese, abarca ao mesmo tempo todas as esperanças, os fracassos da sua vida e as belas realidades poéticas, a essência pura da poesia criada pelo fingimento.
Enquanto na "Autopsicografia" o poeta distinguia dois momentos (o da sensação e o da imaginação), aqui tudo se processa num só momento: as realidades belas subjacentes ao terraço (aparências) são vistas por ele, automática e simultaneamente.
É evidente que paira aqui a doutrina platónica da reminiscência: olhar para as aparências (coisas deste mundo) e ver imediatamente as realidades puras de um mundo mais alto. Constata-se aqui também a grande emoção (de natureza intelectual) que o poeta punha naquilo que ele considerava o fulcro, o âmago da poesia: essa coisa é que é linda.
Na terceira parte do poema, a jeito de conclusão, "Por isso", afirma que escreve "em meio do que não está ao pé". O que está ao pé são as sensações, é o mundo das aparências, o que não está ao pé é o mundo da inteligência, o mundo das realidades puras, da imaginação que transforma, que eleva as sensações ao nível da literatura, ao nível da poesia. A arte poética nasce da abstracção do mundo sensível. Só quando o poeta é do seu enleio (do coração), é que o milagre da poesia se pode dar. "sério do que não é", o poeta considera "sério" quem como ele é capaz de se abstrair do acidental para se concentrar no mundo das essências ( no mundo intelectual). Para Fernando Pessoa é aí que está a perfeição.
O poeta fecha o poema com uma interrogação retórica e uma exclamação de sentido irónico depreciativo : “Sentir?”, note-se como esta interrogação, em conjunto com a exclamação "Sinta quem lê?" é uma resposta irónica ao "Dizem que finjo ou minto" do príncipio do poema. O poeta não sente deixa isso para os que lêem, para quem brinca com o sensível, com o mundo das aparências. Para ele super-poeta, tudo se passa no mundo da inteligência-imaginação, no mundo das ausências.
Este verso apesar de parecer o fechamento de uma circunferência iniciada no terceiro verso, deixa margem à reflexão, a um dinamismo intelectivo que fica a desenvolver-se na mente do leitor.
Apesar de todo o vocabulário ser simples, conhecido dentro dos limites da norma surgem divergências de interpretações em certos passos do poema. É que certas palavras, embora de sentidos denotativos vulgaríssimos, carregam-se no contexto, de conotações imprevistas, originando a plurissignificação e as dúvida
Assim, o verso "Dizem que finjo ou minto" tem aqui o sentido que lhe atribuem os que dizem que falta à verdade, sentido depreciativo que corresponde ao uso popular verificável por exemplo na expressão pessoa fingida". Por isso, apressa-se a negar esse sentido ao fingimento: "Eu simplesmente sinto com imaginação". O fingimento do poeta é pois o trabalho mental que tudo transfigura, por meio da imaginação. A sua emoção está nessa transfiguração imaginativa onde floresce a poesia. Quando dice que não usa o coração, quer dizer que o centro, o fulcro, da grande poesia, não está nas sensações (no coração), mas na inteligência (imaginação).
A metáfora (comparação) centrada em terraço é admiravelmente expressiva da fronteira, dificil de ultrapassar, entre o mundo sensível e o mundo intelectual. O verdadeiro poeta é o priveligiado que é capaz de ultrapassar essa fronteira, para usufruir da beleza que lá se encontra. Ao notarmos a expressividade do adjectivo “linda”, notemos também como o poeta recupera para o campo poético a banalidade significtativa da palavra coisa, fazendo-a expressiva daquilo que é indefinível, do inefável, do que fica para lá do terraço, na região onde se gera a poesia.
Fernando Pessoa, como poeta genial, escrevia bem metido nesse mundo misterioso da poesia, livre do seu “enleio”, que aponta para a prisão que é o mundo sensível. Como é natural num texto de índole teórica, predominam os substantivos e os verbos, que se encontram no presente. De destacar a importância do verbo "ser" a significar existir na expressão "sério do que não é". "O que não é" é o mundo sensível e o que é, o mundo inteligível, one se move na elaboração dos seus poemas.
São importantes os substantivos coração e enleio (a contar com mundo sensível); e imaginação, coisa a conotar com o mundo intelígivel: “terraço” conota ao mesmo tempo com os dois, dado que estabelece a separação entre ambos. Há apenas três adjectivos cuja expressividade já comentamos atrás: linda, livre, sério.
Quanto à forma do poema, é usado o verso curto de seis sílabas, num poema de fundo pesado, onde é exposta uma teoria de criação poética. Para que o discurso lógico flua mais livremente é usado o transporte ou encavalgamento. O esquema rimático é igual nas três estrofes, apresenta rimas cruzadas e emparelhadas: ABABB. Há nas rimas variedade de sons predominando nas duas primeiras estrofes os sons nasais e fechados e alternando, na última, os fechados com os abertos, sugerindo, talvez o esclarecimento final do problema focado. São igualmente de salientar os vários casos de aliteração.

Fingimento poético ( texto de autor)

Prof: Euclides Janeiro, 2008


O próprio poeta explica-nos em alguns dos seus poemas , em poucas palavras, o seu modo de expressar as ideias e de fazer poesia.
Para nós, que lemos e tentamos analisar as criações poéticas de Pessoa, cada poema e cada linha afiguram-se-nos como uma pura mentira e um fingimento. È que nós vivemos num outro mundo de referências, possuímos outro modo de pensar e de actuar, e assim somos incapazes de sentir “ simplesmente com a imaginação”. Conforme capatamos a realidade, assim reagimos com o coração, dando primazia às emoções e sentimentos que essa realidade desperta em nós. Somos incapazes de recriar outros cenários que, de uma maneira completamente diferente e inovadora, transmitam aos outros as nossas sensações.
Fernando Pessoa optou por outro estratagema, concentrando-se na sua inteligência e imaginação criadora, transporta-nos para um outro universo e coloca-nos nuito acima de nós e da nossa forma vulgar e estereotipada forma de escrever. O poeta ascendeu a um terraço donde pode divisar uma paisagem mais ampla e descobrir aspectos novos na própria paisagem que nós vemos.
O papel do artista é o de chegar mais longe, é o de fotografar para além do sensacionismo e percepcionismo imediato que temos das realidades, é, enfim, o de pintar com outras tintas vivas e sugestivas.
Tantas vezes nos debruçamos sobre poemas de Pessoa e achamos absurdos, impertinentes indecifráveis. Esquecemo-nos de que o poeta é alguém que, colocado a nossa lado, mas numa posição superior à nossa, tem uma visão contempladora de outros horizontes, de outras faces ocultas da realidade que vemos e que analisa com outros instrumentos aquilo que vê e sente, ou talvez não.... .
Se é verdade que as linguagens poéticas, metafóricas e simbólicas estruturam as obras literárias sobre a falsidade e fingimento, não é menos verdade que é disso que elas se alimentam. Talvez na nossa ideia e no nosso raciocínio, não encontremos correspondências que nos pareçam sensatas. Contudo, para desfazermos esse nevoeiro, será necessário, pelo menos, subir alguns degraus daquele terraço lindo. É difícil chegarmos ao viso do Olimpo da arte, pois que aí só há lugar para iniciados, adeptos e mestres. Se desejamos tocar mais que o cimo da copa das árvores, torna-se imperioso que sintamos outras coisas para desvendar os mistérios da arte.
Queremos contemplar a “ paisagem” distante? Para tal é preciso transformar as sensações exteriores em interiores e abstractas.

Figimento poético (teoria)

O fingimento poético

(http://www.prof2000.pt/users/jsafonso/Port/pessoa_orto.htm)


A poesia de Fernando Pessoa Ortónimo aborda temas como o cepticismo e o idealismo, a dor de pensar, a obsessão da análise da lucidez, o eu fragmentário, a melancolia, o tédio, a angústia existencial , a inquietação perante o enigma indecifrável do mundo, a nostalgia do mundo maravilhoso da infância.
O Fingimento poético é inerente a toda a composição poética do Ortónimo e surge como uma nova concepção de arte.
A poesia de Pessoa é fruto de uma despersonalização, os poemas “Autopsicobiografia” e “ Isto” pretendem transmitir uma fragilidade estrutural ,todavia, escondem uma densidade de conceitos.
O Ortónimo conclui que o poeta é um fingidor : “ finge tão completamente / que chega a pensar se é dor/ a dor que deveras sente/”, bem como um racionalizador de sentimentos.
A expressão dos sentimentos e sensações intelectualizadas são fruto de uma construção mental, a imaginação impera nesta fase de fingimento poético. A composição poética resulta de um jogo lúdico entre palavras que tentam fugir ao sentimentalismo e racionalização. “ e assim nas calhas de roda/ gira a entreter a razão / esse comboio de corda/ que é o coração”.
O pensamento e a sensibilidade são conceitos fundamentais na ortonímia, o poeta brinca intelectualmente com as emoções, levando-as ao nível da arte poética.
O poema resulta ,então ,de algo intelectualizado e pensado .
O fingimento está ,pois, em toda arte de Pessoa. O Saudosismo que se encontra na obra de Pessoa não é mais do que “vivências de estados imaginários” : “ Eu simplesmente sinto/ com a imaginação/ não uso o coração”.
Fernando Pessoa Ortónimo

A poesia de Fernando Pessoa aborda como cepticismo e o idealismo, a dor de pensar, a personalidade fragmentária, a melancolia e o tédio.
Na perspectiva do poeta, o mundo não é o que as suas percepções lhe transmitem, daí que a sua recepção perante este seja de estranheza e espanto.
O próprio enigma de existir, do “haver ser”, perturba-o de tal modo que ele próprio se considera o reflexo de alguém, de outro, que não conhece, “é a sombra”: “Eu vejo-me e estou sem mim, / Conheço-me e não sou eu”.
Pessoa tem consciência que tudo está sujeito a mudança, simbolizando o rio “a caducidade fragmentária da vida humana”, e, tal como as águas passam e não voltam, também a vida não tem retorno. O passado já não existe, o futuro está a chegar e o presente “não passa de uma divisória ideal” entre o passado e o futuro. Deste modo, o poeta não tem consciência da “sua personalidade una”, pois ela não passa de um “eu fragmentário”. O que ele foi no passado já não o é no presente, é “outro totalmente desconhecido”. Por isso, é um fingidor, que “finge tão completamente, / que chega a fingir que é dor/ A dor que deveras sente.”
Pessoa ortónimo, tal como o seu heterónimo Ricardo Reis, sofre intensamente a terrível “dor de pensar”: “Dói-me até onde penso/ E a dor é já de pensar”. Pelo facto de ser dotado de uma inteligência hipertrofiada, o poeta anseia a inconsciência, inveja as pedras, as árvores, o gato que brinca “na rua/ Como se fosse na cama”. Também no poema “Ela canta pobre ceifeira…”, Pessoa aspira à vida instintiva, desejando “poder ser tu, sendo eu! /Ter a tua alegre inconsciência, /E a consciência disso!”. Sendo assim, o ideal seria ser “consciente inconsciente”; por isso o poeta encontra-se entre a consciência e a inconsciência, entre a sinceridade e o fingimento.
No dizer de Jacinto Prado Coelho, como o pensar esfria o sentir, a alegria perfeita pertence a este mundo, só imaginada.
O “Menino de sua mãe” sente cansaço, tédio, inquietação, sedução pelo mundo fantástico da infância: “E toda aquela infância/ Que não tive me vem, /Numa onda de alegria/ Que não foi de ninguém”, adoptando, para o sugerir, reminiscências de contos de fadas, de cantigas de embalar e toadas de romanceiro: “Conta-me contos, ama… / Todos os contos são/ Esse dia e jardim e a dama/ Que eu fui nessa solidão…” a infância triste de pessoa transformou-o num ser que não é capaz de se entregar ao outro. Desconhecendo, então, a vida afectiva, renuncia a todo o amor sensível e, quando ama, fá-lo apenas em sonhos, idealizando-o.

Para uma síntese de conhecimentos

Temáticas:
profunda lucidez, inteligência intuitiva
«dor de pensar»
intelectualização do sentir / «teoria de fingimento»
obsessão da análise
solidão interior, angústia existencial, melancolia, resignação
tédio, náusea, desencontro com os outros, desamparo
inquietação perante o enigma indecifrável do mundo
fragmentação do eu, perda de identidade
procura, absurdo
ansiedade
nostalgia do bem perdido, do mundo fantástico da infância

Modernismo

Entende-se por “ Modernismo” um movimento estético, em que a literatura surge associada às artes plásticas e por ela influenciada, empreendido pela geração de Fernando Pessoa (n.1888), Sá Carneiro (n.1890) e Almada Negreiros (n.1893), sob o influxo da arte e literatura mais avançadas na Europa, ou em uníssono com elas. (...)
Foi em 1913, em Lisboa, que se constituiu o núcleo do grupo modernista. Pessoa e Sá Carneiro haviam colaborado na Águia, órgão do Saudosismo, mas iam agora realizar-se em oposição a este, desejosos como estavam de imprimir ao ambiente literário português um tom europeu, audaz e requintado, que faltava à poesia saudosista. Nesse ano de 1913, Sá Carneiro escreve o poema Dispersão e no ano seguinte Pessoa compõe o poema Paúis, escola efémera, publicado na Renascença, Pessoa e Almada travam relações graças à primeira exposição de caricaturas por este efectuada e criticada por aquele nas colunas da Águia. Em 1914, os nossos artistas, estimulados pela aragem de actualidade vinda de Paris com Sá Carneiro e Santa Rita Pintor, adepto do Futurismo, faziam o seu projecto que Luís da Silva Ramos (Luís de Montalvor) acabava de trazer do Brasil: o lançamento de uma revista luso-brasileira Orpheu. Desta revista saíram com efeito dois números (os únicos publicados em 1915), incluíam a participação de Montalvor, Pessoa, Sá – Carneiro, Almada, Cortes – Rodrigues e Raul Leal; dos brasileiros Ronaldo de Carvalho, Eduardo Guimarães e Ângelo de Lima, internado no manicómio, de Álvaro de Campos, heterónimo de Pessoa. Feitos, em parte, para irritar o burguês, para escandalizar, estes dois números alcançaram o fim proposto, tornando-se alvo de troça dos jornais, mas a empresa não pode prosseguir por falta de dinheiro. Em Abril de 1916, o suicídio de Sá Carneiro privou o grupo dum dos seus grandes valores. Entretanto, a geração modernista continuou a manifestar-se quer em publicações individuais, Exílio, quer noutras revistas. Publica-se o movimento “sensacionista” na Centauro (1916), textos de Montalvor “ Tentativa de ensaio sobre a decadência, Pessoa publica uma série de sonetos, Raul Leal “Portugal Futurista” em 1917, com reproduções de quadros de Santa Rita Pintor e Sousa Cardoso o “ manifesto de Marinetti” (...) foi também em 1917 que Almada organizou no teatro República, hoje São Luís, uma escandalosa sessão futurista, cujos textos aquela revista exara. Já com um modernismo serenado na Contemporânea, em 1923, Pessoa louva o helenismo de António Botto e Álvaro de Campos discorda dos juízos estéticos de Pessoa, e Athena, em 1924-25, dirigida por Pessoa e Ruy Vaz, onde saíram os “ apontamentos para uma estética não-aristotélica” de Álvaro de Campos. A Presença, aparecida em 1927, não só deu a conhecer e valorizou criticamente as obras dos homens de Orpheu, como lhes herdou o espírito.
De facto, unidos por um espírito, digamos, de geração (desejo de renovação atrevida, europeísmo, gosto do paradoxo e da blague, da verde ironia e do sarcasmo, os três modernistas realizaram-se com independência, por isso mesmo, senhores de personalidades vincadas.
Mais ainda: ao tentarmos compreender a geração, não devemos parar nos aspectos mais aparentes, mistificação, excentricidade e ironia, ou devemos procurar o sentido grave que a simulação, o próprio jogo literário que podiam ter em Portugal e no resto do mundo. O momento era de crise aguda, de dissolução de um mundo de valores – dissolução que, aliás, continua a processar-se. Os artistas reagiam ao cepticismo total pela agressão, pelo sarcasmo, pelo exercício gratuito, pela sondagem, a um tempo lúcida e inquieta, das regiões virgens e indefinidas do inconsciente, ou então pela entrega à vertigem das sensações, à grandeza inumana das máquinas, das técnicas, da vida gregária das cidades.

“ Modernismo”, in Dicionário das literaturas Portuguesa, Galega e Brasileira,
Org. por Jacinto Prado Coelho,
Liv. Figueirinhas, Porto, pp.490-493 (com supressões)
-------------------------------------------------------------------------------------

Muito em síntese, pode ver-se a poesia portuguesa dos últimos cento e cinquenta anos dividida em três largos períodos, cada um deles inaugurado por um movimento de vanguarda e constituído, depois, por fases semelhantes- paralelas ou sucessivas- de afirmação, correcção e dissolução do próprio movimento inicial. As datas inaugurais seriam precisamente 1825- o ano da publicação do poema Camões, de Garrett-, 1865- o ano da publicação das Odes Modernas, de Antero- e 1915- o ano do aparecimento do Orpheu, com Fernando Pessoa à testa do movimento modernista. Tal como Garrett fora a figura central do vanguardismo romântico de 1825 e antero o vulto polarizador do vanguardismo realista da geração de 70, Fernando Pessoa é o corifeu do vanguardismo de 1915. Entre as personalidades e os destinos destes três poetas- que não foram apenas poetas, mas também espíritos mais lúcidos e profundamente interessados pelos problemas da Cultura- , e a despeito das inegáveis diferenças que os separam, muitos são, todavia, os pontos de contacto que ante a nossa atenção ganham relevo: Garrett tinha 26 anos ao publicar o poema Camões; Antero, 23, ao editar as Odes Modernas, e Pessoa, 26, ao lançar-se na aventura do Orpheu. Dir-se-ia desde já, que há uma idade sobremodo propícia- ao redor dos 25 anos, no limiar portanto da maturidade- para se desempenhar, voluntariamente ou não, o papel de condottiere literário. Por outro lado, morrem os três à volta dos 50 anos- Garrett com 55, Antero com 49, Pessoa com 47-, sem assistir nenhum deles à completa dissolução dos vanguardismos que tinham iniciado. Dir-se-ia, agora, que o Destino desejou poupá-los a semelhante espectáculo, ou impedir que eles próprios nele participassem. Muito mais importantes, porém, do que estes dados cronológicos são determinados aspectos íntimos, que por igual os caracterizam.
Trata-se, com efeito, de três personalidades contraditórias, em cujo foro interior se debatiam antagónicas forças- as quais, por seu turno, dramaticamente, se exprimiram nas obras respectivas e nas respectivas actividades.

David Mourão Ferreira, Nos Passos de Pessoa, 1ª ed, Lisboa, Presença, 1988
-------------------------------------------------------------------------------------
É nas artes plásticas, com Amadeu de Sousa Cardoso( hoje reconhecido como um dos importantes pioneiros da escola de Paris), com Santa- Rita Pintor ( como assinava quem foi mais um dos aventureiros das artes naquele tempo, que um artista), e com Almada Negreiros ( cuja exposição de caricaturas, em 1913, Fernando Pessoa saudou num artigo publicado na Águia), que o vanguardismo primeiro toca os Portugueses, em 1912-13, cerca de um ano antes de Pessoa e Sá- Carneiro se decidirem por um movimento autónomo. Em Abril e em Julho de 1915, são publicados dois números da revista Orpheu, que foram o lançamento digamos oficial e polémico do vanguardismo. Um terceiro número ficou em provas por dificuldades várias. Aqueles dois números produziram, nos meios intelectuais e jornalísticos, precisamente os efeitos que os promotores desejavam. Conta-se que, estando As- Carneiro já no expresso que partia para uma das suas idas a Paris, chegou Pessoa correndo com um jornal na mão, em que um ilustre psiquiatra da época, que havia sido entrevistado sobre “ os do Orpheu”, gravemente os declarava doidos!- E Sá – Carneiro, debruçado na janela do comboio em andamento, e arrebatando o jornal, exclamou: - Ah diz? Então vencemos!
Não tinham vencido. E não se pode dizer que ainda hoje a vitória deles seja completa, apesar de ambos terem entrado para o panteão selecto da grande poesia. Mas tinham realmente, com um choque que hoje nos parece menor do que terá sido, inaugurado uma época nova da poesia portuguesa, e um padrão de exigência estética e de audácia intelectual, como em poucas mutações semelhantes terá acontecido. Depois de 1915, (..) nunca mais foi possível em Portugal que um poeta se alheasse de padrões vanguardistas, sem correr o risco de ser medíocre, passadista, inculto, provinciano, de baixo nível de cultura e de gosto. O que evidentemente não significa que, depois de 1915, muitos poetas de alto mérito não tenham corrido esse risco....

Jorge de Sena, Estudos de Literatura Portuguesa- III, Lisboa, Edições 70, 1988

Biografia Fernando Pessoa

BIOGRAFIA DE FERNANDO PESSOA
(feita pelo próprio poeta)

Nome completo: Fernando António Nogueira Pessoa

Idade e naturalidade: Nasceu em Lisboa, freguesia dos Mártires, no prédio nº4 do Largo de S. Carlos (hoje do Directório), em 13 de Junho de 1888.

Filiação: Filho legítimo de Joaquim de Seabra Pessoa e de D. Maria Madalena Pinheiro Nogueira. (...) Ascendência geral - misto de fidalgos e de judeus.

Profissão: A designação mais própria será «tradutor», a mais exacta de «correspondente estrangeiro em casas comerciais». O ser poeta e escritor não constitui profissão, mas vocação.

Funções sociais que tem desempenhado: Se por isso se entende cargos públicos ou funções de destaque, nenhumas.

Obras que tem publicado: A obra está essencialmente dispersa, por enquanto, por várias revistas e publicações. O que de livros ou folhetos, considera como válidos, é o seguinte: 35 Sonnets (em inglês), 1918; English Poems I-II e English Poems III (em inglês também), 1922, e o livro Mensagem, 1934, premiado pelo Secretariado de Propaganda Nacional, na categoria de «Poemas».

Educação: Em virtude de, falecido seu pai em 1993, sua mãe ter casado, em 1895, em segundas núpcias, com o comandante João Miguel Rosa, cônsul de Portugal em Durban, Natal, foi ali educado. Ganhou o prémio Rainha Vitória de estilo inglês, na Universidade do Cabo da Boa Esperança em 1903, no exame de admissão, aos 15 anos.
Ideologia política: Considera que o sistema monárquico seria o mais próprio para uma nação organicamente imperial como é Portugal. Considera, ao mesmo tempo, a Monarquia completamente inviável em Portugal. Por isso, a haver um plebiscito entre regimes votaria, ainda com pena, pela República. Conservador de estilo inglês, isto é, liberal dentro do conservadorismo e absolutamente anti-reaccionário.

Posição religiosa: Cristão gnóstico, e portanto inteiramente oposto a todas a Igrejas organizadas, e sobretudo à Igreja de Roma. Fiel, por motivos que mais adiante estão implícitos à Tradição Secreta do Cristianismo, que tem íntimas relações com a Tradição Secreta em Israel (a Santa Kabbalah) e com a essência oculta da Maçonaria.

Posição patriótica: Partidário de um nacionalismo místico, de onde seja abolida a infiltração católica-romana, criando-se, se possível for, um sebastianismo novo, que a substitua espiritualmente se é que no catolicismo português houve alguma vez espiritualidade. Nacionalista que se guia por este lema: «Tudo pela Humanidade, nada contra a Nação.»

Posição social: Anticomunista e anti-socialista. O mais deduz-se do que vai dito acima.

Resumo destas últimas considerações: Ter sempre na memória o mártir Jacques de Molay, grão-mestre dos Templários, e combater sempre, e em toda a parte, os seus três assassinos - a Ignorância, o Fanatismo e a Tirania.

Lisboa, 30 de Março de 1935

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Pessoa- Ortónimo à vol d'oiseau

FERNANDO PESSOA- ORTÓNIMO

POETA SAUDOSISTA do grupo da Àguia e da Renascença Portuguesa. ( O Saudosísmo metafísico de Teixeira de Pacoais)
No primeiro número da Águia, Pascoais tenta congregar todos os artistas para renovar Portugal através do sentimento e da suadade. Em Águia, Pessoa chega a escrever : « Os poetas saudosistas são os porta- bandeiras do pensamento da futura civilização europeia.»

POETA DE “ MENSAGEM”, esse livro simultaneamente histórico e esotérico e ocultista.
“ Mensagem”, sobre certo aspecto, está na linha do saudosismo e integra-se numa fase a que talvez se possa dar o nome de Nacionalista. « Sou nacionalista místico, o social não entra na arte, um poeta não precisa de ter percepção da vida social» afirma Pessoa. Este nacionalísmo místico faz com que os leitores vlgares leiam “ Mensagem” sem perceberemm dificuldades, embora toda ela seja na linguagem e nos números, uma obra hermética, de cunho esotérico, de mistério da Pátria, do Homem e do Universo.
Segundo Vieira, a figura do quinto império seria Sidónio Pais e não D. João IV. O Infante D. Henrique surge investido por Deus, na solidão de uma falésia divina, espécie de Olimpo lusitano. Segundo parece, Sagres, do latim sacru e a janena de Lagos sabem a mito.
O neo-sebastianismo de “ Mensagem” faz com que a nossa História acabe em D. Sebastião, no nevoeiro de uma incerteza que só o mestre do ocultismo poderá remover.

POETA MODERNISTA que deserta da Águia e funda Orpheu. Como sabemos este Modernismo distingue-se pelos seguintes Ismos: Paulismo: misto de saudosismo e decadentismo, Interseccionismo: Chuva Oblíqua e suas implicações cubistas, Sensacionismo: intelectualização e descasque de toda a crosta imediata e material da sensação, Absurismo, Existencialismo: segundo os quais o Homem e o Mundo são absurdos e não é possível atingir a felicidade, Hora Absurda, Opiário.

POETA DO LIRISMO POPULAR expresso nas suas quadras ao gosto popular, cheias de egotismo e em poemas como: “Sino da minha Aldeia” , “A Lavadeira do Tanque”.

POETA DA INFÂNCIA A evocação da infância é o único refúgio do poeta: “ Natal”, “ Menino da sua Mãe”, “Chuva Oblíqua”, “Lisbon Revisited” e muitos outros poemas descansam nela.

POETA DRAMÁTICO E DOS POEMAS INGLESES Os primeiros passos de Pessoa na poesia foram na língua inglesa. São 35 sonetos, inscrições epitáfios e o poema “ Antinous” ou “Antinoo”. Não esquecer “ O Fausto”, “ Na Floresta do Alheamento”, “ O Marinheiro”, a tradução de “ O Corvo” de Edgar Allan Poe, “Hino a Pã”, “ Catarina a Camões”.

POETA DAS PÁGINAS ÍNTIMAS E DE AUTO-INTERPRETAÇÃO , dois volumes onde está recolhida a sua teoria literária e muitas outras explicações acerca de projectos, de obras, críticas etc....

POETA DA ESPERANÇA-DESILUSÃO: « Tudo quanto sonhei tenho perdido antes de o ter»

POETA DA MÁGOA, DO DESESPERO, DO CANSAÇO, DO FATALISMO, DA NÁUSEA E TÉDIO, DA EFEMERIDADE DA VIDA:« Meu coração é um pórtico partido», « Cansa ser, sentir dói, pensar destrói», « Náusea! Vontade de nada! Existir por não morrer» « Dorme que a vida é nada!, Dorme que tudo é vazio!

POETA DA CONTRADIÇÃO ENTRE O PENSAR E O SENTIR: « Todos temos que vivemos/ uma vida que é vivida/ e outra vida que é pensada/ e a única vida que temos/ é essa que é dividida/ entre a verdadeira e a errada»

POETA DO PARADOXO EXISTENCIAL PROVENIENTE DO CHOQUE ENTRE A VONTADE E O PENSAMENTO: « Tudo o que faço e medito/ fica sempre a metade/ querendo quero o infinito/ fazendo nada é verdade/ Que nojo de mim me fica/ a olhar para o que faço»

POETA DA DÚVIDA SOBRE QUEM É: « Sabes que sou? Eu não sei» « Grandes mistérios habitam o limiar do meu Ser» « Não sei quantas almas tenho/ cada momento mudei/ Nunca me vi nem achei/ de tanto ser só tenho alma/ e quem tem alma não tem calma (...) Por isso vou lendo/ como páginas, meu ser/ O que segue não prevendo/ O que passou a esquecer/ noto á margem do que li/ o que julguei que senti/ Releio e digo: Fui eu?/ Deus sabe porque o escreveu.»

POETA DO OCULTISMO: Pessoa dedica-se ao estudo da astrologia, da teosofia e de outras disciplinas esotéricas. Possuía faculdades telepáticas e mediúnicas, reveladas por si a Sá Carneiro.
Relacionou-se com sociedades secretas. O seu apreço pela filosofia Rosacruz pode ver-se no poema “ No Túmulo de Christian Rosenkreuz”

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Teste " Avisos" António Vieira

ESCOLA SECUNDÁRIA RAINHA DONA LEONOR
12º Ano de escolaridade
Duração da prova: 90 minutos 3º teste
2008/2009( Janeiro) Prof: Euclides Rosa
PROVA ESCRITA DE PORTUGUÊS

(130 pontos)
I
ANTÓNIO VIEIRA
O céu ‘strela o azul e tem grandeza.
Este, que teve a fama e à glória tem,
Imperador da língua portuguesa,
Foi-nos um céu também.

No imenso espaço seu de meditar,
Constelado de formas e de visão,
Surge, prenúncio claro de luar,
El-Rei D. Sebastião.

Mas não, não é luar: é luz do etéreo.
É um dia; e, no céu amplo de desejo,
A madrugada irreal do Quinto Império
Doira as margens do Tejo.
Mensagem, Pessoa

1. Transcreve duas expressões textuais que traduzam os elogios feitos a António Vieira, explicitando os motivos/ razões que os justificam.

2. Nas duas primeiras estrofes Vieira surge associado a céu.

2.1. Identifica o recurso estilístico que serve essa associação.

2.2. Explica, servindo-te da informação do texto, a intenção da mesma.

3. Caracteriza por palavras tuas a configuração que é feita do Quinto Império, justificando as tuas afirmações com expressões textuais.

4. Integre, justificando, este poema na estrutura global da Mensagem.

( 70 pontos)
II
B “Com a Mensagem Pessoa desejou que se recuperasse a memória mítica do passado português, um panteon imaginário que não foi possível reunir nos Jerónimos.”
Comente a frase acima transcrita, num texto expositivo-argumentativo entre 100 a 120 palavras, fundamentado em referências e juízos de leitura reveladores de conhecimento autêntico de três dos principais mitos de Mensagem.

Cenários de correcção
.................................................................................................................................................................
1. Na verdade, há todo um discurso de elogio de António Vieira neste poema, mais concretamente pelas duas expressões: «Imperador da língua portuguesa / No imenso espaço seu de meditar».
Quanto ao primeiro, refere-se ao seu papel de educador e evangelizador no Brasil.
Relativamente ao segundo, refere-se ao carácter visionário que do profeta que prevê o quinto Império, e ao filósofo/pensador.

2.1. De facto, nas duas primeiras estrofes António Vieira surge associado metaforicamente ao céu, mais especificamente a partir dos versos: «Foi-nos um céu também» / «Constelado de formas e de visão».

2.2. Em primeiro lugar, há uma diferença de intenções na associação de António Vieira ao céu na primeira e segundas estrofes.
«Foi-nos um céu também», mostra a amplitude universal da cultura e língua portuguesa que António Vieira conseguiu.
Posteriormente a segunda associação aponta para a importância do céu e de religião na profecia do «Quinto Império».

3. A configuração do Quinto Império é toda ela feita com recurso a elementos relacionados com o tempo; meteorologia, clima.
Primeiramente na segunda estrofe associa-se a luar: «Surge, prenúncio claro de luar», mas na terceira estrofe é clarificado que não se trata de uma luz ofusca mas sim de uma luz etérea e clara como o dia: “... é luz do etéreo/ É um dia...”.
Finalmente, apresenta-se uma dimensão utópica deste «Quinto Império». Existe exclusivamente enquanto crença: «... amplo de desejo», é do domínio da ficção: «madrugada irreal», permitindo contudo à revitalização espiritual de Portugal: «Doira as margens do Tejo».

4. António Vieira é um dos Avisos, precedido de “Bandarra” e sucedido de “ Escrevo meu livro à beira mágoa”.
Internamente à terceira parte onde os “Avisos” se integram, “ O Encoberto”, são precedidas de “Símbolos” e segue-os os “Tempos”.
Toda a terceira parte da obra trata simbolicamente a morte e a possibilidade de renovação da Nação. Como tal D. Sebastião é metáfora do Estado da Nação.
Essa possibilidade de regresso mítico do rei é expressa pelo profeta António Vieira.

II

Sendo a “Mensagem” uma epopeia mítica e simbólica, justifica-se a comparação que é dela feita na frase com um “Phateon imaginário” uma vez que consegue reunir os heróis símbolos / nacionais.
Em primeiro lugar, convém lembrar que a própria estrutura tripartida: “ Brasão”, “ Mar Português” e “ Encoberto” é também simbólica, representando nascimento, vida, morte e renascimento nacional.
Entre os mais variados mitos, destacamos os de garantir a independência: “Conde D.Henrique”; “D: Afonso Henriques”; “Viriato”; “Nuno Alves Pereira” que são simbolicamente forças que permitiram a instituição de uma nacionalidade.
Posteriormente propo-mos outro mito significativo, o de concretização do Império material das descobertas. Curiosamente surge ainda na Idade Média como obra do acaso em D. Dinis que sem saber se tornou: “o plantador de naus levou”, mas é o próprio mito simbólico do carácter predador do povo português que enquanto cabeça do Grifo se torna o Infante D. Henrique.
Finalmente, completa-se na obra Império Nacional das descobertas, que se desfez: “… faltando cumprir-se Portugal”, numa dimensão espiritual que D. Sebastião poderá impulsionar.
E aí não serão especiarias, nem ouro, ou os escravos, mas sim a paz, a cultura e a língua que nos trarão riqueza e reconhecimento universal.

Teste " Símbolos" D. Sebastião

ESCOLA SECUNDÁRIA RAINHA DONA LEONOR
12º Ano de escolaridade
Duração da prova: 60 minutos 3º teste
2008/2009( Janeiro) Prof: Euclides Rosa
PROVA ESCRITA DE PORTUGUÊS

PRIMEIRO / D. SEBASTIÃO
'Sperai! Caí no areal e na hora adversa
Que Deus concede aos seus
Para o intervalo em que esteja a alma imersa
Em sonhos que são Deus.

Que importa o areal e a morte e a desventura
Se com Deus me guardei?
É O que eu me sonhei que eterno dura
É Esse que regressarei.
Fernando Pessoa, Mensagem
(130 pontos)
Grupo I
1. Distingue no poema a alusão a D. Sebastião histórico e a D. Sebastião mítico, servindo-te de expressões textuais.

1.1 Explicite, justificando qual dos dois assume uma maior relevância no poema.

2. Relacione o uso do imperativo no início do poema com o verso final.

3. Justifique o messianismo que perpassa todo texto.

Grupo II
(70 pontos)
B
“ A Mensagem de Pessoa não enaltece heróis, nem acontecimentos reais; é a consciência de que o futuro do Homem e da Humanidade não se concretiza pelo materialismo mas numa dimensão espiritual, talvez utópica.” Prof. Euclides
Comente a frase acima transcrita, num texto expositivo-argumentativo entre 100 a 120 palavras, fundamentado em referências e juízos de leitura reveladores de conhecimento autêntico de Mensagem.
Cenários de resposta
............................................................................................................................................................
Grupo I
1. Num discurso protagonizado pelo próprio herói mítico, D. Sebastião, ( Vide 1ª pessoa do singular nas formas verbais e pronomes) o próprio confronta-se na sua dimensão histórica e mítica.
Relativamente à primeira, é a figura histórica conhecida pelo combate aos infiéis mouros em Alcácer- Quibir, onde perde a vida ou desaparece: “Caí no areal e na hora adversa/Que Deus concede aos seus”.
Quanto à dimensão mítica, que valoriza em detrimento da histórica, apresenta-se como o protegido eleito por Deus: “com Deus me guardei?”, aquele que existe enquanto sonho eterno: “sonhei que eterno dura”, como tal, garante o seu regresso: “Esse que regressarei.”

2. Em primeiro lugar, importa referir que é o próprio herói que reconhece a importância enquanto mito: “ Que importa o areal e a morte e a desventura/ Se com Deus me guardei”.
Por outro lado, são também expressivos e reveladores dessa importância os pronomes pessoais complemento directo e demonstrativo: “ O” e “ Esse”, grafados com maiúsculas.

3. O discurso do herói inicia-se com um imperativo exortativo, com valor de pedido
“Sperai” e termina com a justificação dessa solicitação, expressa através de uma forma verbal no futuro do indicativo, garante de certeza: “ Regressarei”.
Em suma, o sujeito poético revela-se convicto do seu ressurgimento numa dimensão mítica, que só se concretizará se houver uma espera envolta em crença.

4. Todo o mito sebástico é configurado a partir do messiânico.
As três associações de D. Sebastião a Deus são prova clara dessa associação.
Primeiramente, o herói surge como eleito por Deus para uma existência enquanto símbolo e mito: “Que Deus concede aos seus”, “Em sonhos que são Deus”.
Finalmente, assegura a sua existência como protegido por Deus: “Se com Deus me guardei?”, gozando à sua semelhança da capacidade de ressuscitar, regressar.



Grupo II
A Mensagem distingue-se de Os Lusíadas, embora ambas epopeias, porque partindo de um núcleo histórico, a sua dimensão é simbólica e mítica, como tal, contrariamente à epopeia camoniana, não “enaltece heróis, nem acontecimentos reais”.
Em primeiro lugar, registe-se que a própria estrutura tripartida, Brasão, Mar Português e Encoberto são símbolos interpretaivos da História da nação lusitana, representativos de Nascimento, Vida, Morte e Revitalização.
Em segundo lugar, quando confrontados com os poemas, verificamos que não há uma intenção de proceder à caracterização das figuras históricas, nem tão pouco dos seus feitos. Na verdade, são heróis sem rosto, forças latentes da identidade nacional, existentes no passado mas emergentes no presente.
Para exemplificar, recordamos os heróis dos castelos, Afonso Henriques, D. Dinis, por exemplo, representativos da garantia da nossa independência a preservar no presente de crise: “ Pai, foste cavaleiro, hoje a vigília é nossa”, ou o visionário ocasional implantador dos alicerces para a descoberta de novos mundos, ainda que na idade, dita das trevas “ Na noite..../ o plantador de naus a haver”.
De todos os heróis, D. Sebastião é, sem dúvida, a dama do xadrez que é a Mensagem; move-se por toda a História nacional, enquanto Quina da loucura humana que motiva o Homem e sem a a qual “ mais que besta sadia( seria) cadáver adiado que procria”, é o ultimo a embarcar na “ Ùltima Nau”, que não se sabe a “ que ilha indescoberta aportou” , “ nem se regressará da sorte que teve”; é associado a todos os “ Símbolos”, enquanto Desejado, Encoberto, ou “ Avisos” dos visionários “Bandarra” e “António Vieira”, por exemplo.
O rei desejado dará sentido a um Quinto Império espiritual, cultural, civilizacional de dimensão universal, que sará as feridas do império material das Descobertas: “ Cumpriu-se o mar e o império se desfez. Senhor, falta cumprir-se Portugal”, mas é a Hora!