terça-feira, 20 de maio de 2008

"Felizmente, há luar!" :titulo, didascálias e simbologia

C. UNIDADE DA PEÇA

A unidade da peça é dada pela figura de Gomes Freire, pretenso chefe de uma conspiração contra o poder instituído em Portugal. Como anuncia o próprio autor no quadro de apresentação das personagens, Gomes Freire embora nunca apareça em cena, está sempre presente.
No início da peça, o General é tema de conversa entre os Populares e é posto sob vigilância por ordem de D. Miguel. No decurso do Acto I, os regentes do reino, sem o explicarem, mostram-se ansiosos por ter algum indício que lhes permita acusar Gomes Freire de chefe da conjura. O acto termina com a ordem de prisão de Gomes Freire, acusado de chefe dos conspiradores, ainda que não haja provas de que o seja.
Todo o Acto II se centra em torno da luta de Matilde, companheira do general, pela defesa da sua vida. Luta sem êxito, já que a obra acaba com a execução de Gomes Freire.

D. O TÍTULO

D. Miguel comenta «É verdade que a execução se prolongará pela noite, mas felizmente há luar…» quando a execução dos conjurados vai começar. Espera que assim, apesar da noite, todos tenham oportunidade de ver bem o que acontece a quem ousa desafiar as forças do poder. (Poder)
As últimas palavras da peça pertencem a Matilde que, depois da execução, diz para o povo: «Olhem bem! Limpem os olhos no clarão daquela fogueira e abram as almas ao que elas nos ensina! / Até a noite foi feita para que vísseis até ao fim… / Felizmente  Felizmente há luar!» (nem “quase grito”). A intenção é a de que todos vejam bem ao que estão sujeitos quando se opõem ao poder. Mas enquanto D. Miguem pretende manter, através do terror, o poder opressivo e incontestável, Matilde pretende que as consciências se agitem e, vencendo o medo, lutem pela liberdade. (Anti-Poder)


E. DIDASCÁLIAS

As didascálias (ou indicações cénicas) são texto secundário que serve de suporte ao texto dramático (fala de personagens).
As didascálias que encontramos entre parênteses dão-nos indicações sobre a expressão corporal da personagem, os seus sentimentos e emoções, o seu movimento em palco, a entrada e saída. Também indicam os destinatários dos actos de fala, o tom de voz, as mudanças de luz, o som.
As didascálias laterais acompanham as palavras das personagens e ajudam à sua caracterização, esclarecendo a forma com é falam, revelando as intenções do que está a ser dito, para que as palavras sejam bem interpretadas (sobretudo pelo leitor).


F. ELEMENTOS SIMBÓLICOS

Os tambores  É ao som dos tambores em fanfarra e crescendo de intensidade que a peça termina. Os tambores, que amedrontam os populares mal os ouvem à distância, e que tocam em fanfarra em momentos decisivos, como o anúncio da prisão e o fim da execução de Gomes Freire, representam a repressão; é o som simbólico da opressão aterrorizadora.

A moeda de cinco reis  Na primeira situação representa a esmola, o auxílio humilhante que os poderosos dão, com arrogância e desprezo, aos que nada têm. Por isso Manuel, numa atitude de revolta, a manda dar a Matilde, mas logo se arrepende, pois sabe que não é ela que merece este gesto de agressão. Por outro lado, Matilde ao pedir-lha está a assumir a sua culpa por não ter compreendido a real situação dos populares.
Quando Matilde atira a moeda aos pés do Principal Sousa esta passa a símbolo da traição da Igreja, o eco das moedas que Judas recebeu pela entrega de Cristo. Também o Principal Sousa traiu os valores cristãos pelo poder.

A sai verde  Oferecida a Matilde pelo seu amado, em Paris, para vestir quando voltassem a Portugal, nunca tinha sido usada, talvez porque o país nunca lhe tivesse dado motivos de esperança. É a saia que ela planeia usar quando Gomes Freire voltar para casa (atitude reveladora de que se recusa a perder a esperança). Acaba por ser a que veste no momento da execução do marido, simbolizando a esperança no futuro.

A fogueira e o clarão  a fogueira destruiu Gomes Freire e a conspiração, a hipótese de mudança. Mas foi uma destruição necessária para a purificação; para que todo o horror fosse exposto e reforçasse o desejo de lutar por um Portugal melhor. Este valor redentor e purificador do fogo converte o final de morte num final de esperança. O clarão é a luz da liberdade que se anuncia. O clarão que se extingue com a morte de Gomes Freire irá iluminar muitas consciências. A sua morte não será em vão, outros manterão viva e cada vez mais forte a chama da liberdade que iluminou o General.

O luar  Para D. Miguel, a luz do luar simboliza a opressão necessária para manter o país submisso. Para Matilde, simboliza o início do fim do obscurantismo em que o país está mergulhado. É a luz que permite “ver” um exemplo e um caminho a seguir.

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