«Felizmente Há Luar!», Luís de Sttau Monteiro
A peça «Felizmente Há Luar!» é uma peça épica, inspirada na teoria marxista, apelando à reflexão do espectador / leitor, não só no quadro da representação, como também na sociedade em que se insere.
De acordo com os princípios do “teatro épico”, definidos por Brecht, a peça pretende representar o mundo e o homem em constante evolução, de acordo com as relações sociais. Estas características afastam-se da concepção do teatro aristotélico, que pretendia despertar emoções, levando o espectador a identificar-se com o herói.
O teatro moderno tem como preocupação fundamental levar os espectadores / leitores a pensar, a reflectir sobre os acontecimentos passados e a tomar posição na sociedade em que se insere.
Surge, assim, a técnica do distanciamento que propõe um afastamento entre o actor e a personagem e entre o espectador / leitor e a história contada, para que, de uma forma mais real e autêntica, possam fazer juízos de valor sobre o que está a ser representado.
Luís de Sttau Monteiro pretende, através da distanciação, envolver o espectador / leitor no julgamento da sociedade, tomando contacto com o sofrimento dos outros. Deste modo, o espectador deve possuir um olhar crítico para melhor se aperceber de todas as formas de injustiças e opressões.
Características da obra:
- personagens psicologicamente densas e vivas;
- comentários irónicos e mordazes;
- denúncia da hipocrisia da sociedade;
- defesa intransigente da justiça social.
Teatro épico: oferece-nos uma análise crítica da sociedade, procurando mostrar a realidade em vez de a representar, para levar o espectador a reagir criticamente e a tomar uma posição.
A intemporalidade da peça remete-nos para a luta do ser humano contra a tirania, a opressão, a traição, a injustiça e todas as formas de perseguição.
Preocupação com o homem e o seu destino.
Luta contra a miséria e a alienação.
Denúncia da ausência de moral.
Alerta para a necessidade de uma superação, com o surgimento de uma sociedade solidária que permita a verdadeira realização do homem.
Contexto histórico (Tempo da história século XIX): Invasões napoleónicas: em 1807, o exército francês, comandado pelo general Junot, entra em Portugal. Para evitar a rendição, D. João VI e toda a família real portuguesa fogem para o Brasil. Depois da 1ª invasão, Portugal pede a Inglaterra um oficial para reorganizar o exército (o GENERAL BERESFORD). A Corte (com todos os órgãos da administração central) instala-se no Brasil e, na metrópole, o Governo fica a cargo de uma Junta de Governadores, entre eles, D. MIGUEL FORJAZ (nobreza), PRINCIPAL SOUSA (clero) e BERESFORD (Inglaterra). Este Governo assume uma atitude demasiado autoritária e absolutista. Entretanto, um grupo de generais portugueses, defensores de um Regime Liberal, tendo como líder o GENERAL GOMES FREIRE DE ANDRADE, conspira para derrubar este Governo Conjura de 1817. Beresford é informado da conspiração e todos os implicados são mortos.
Tempo da escrita século XX, década de 60: Luís de Sttau Monteiro denuncia a opressão vivida na época em que escreve esta obra, isto é, em 1961, durante a ditadura de Salazar. Assim, o recurso à distanciação histórica e à descrição das injustiças praticadas no início do século XIX, permitiu-lhe também, colocar em destaque as injustiças do seu tempo.
Paralelismo histórico-metafórico
Tempo da História Tempo da escrita
Época Século XIX, 1817
Século XX, 1961
Regime Político Absolutismo Ditadura do Estado Novo (Salazar)
Sociedade Hierarquia social: classes privilegiadas e exploradoras (nobreza, clero e burguesia) e classe explorada (povo).
Fortes desigualdades sociais: classe exploradora (ricos) e classe explorada (pobres).
Povo Péssimas condições de vida: oprimido e resignado; a “miséria, o medo e a ignorância”.
Péssimas condições de vida: reprimido e explorado; miséria, medo e analfabetismo.
Conspiração MANUEL, símbolo da consciência popular, tenta participar na conspiração, liderada pelo GENERAL GOMES FREIRE DE ANDRADE, para derrubar o poder vigente.
Militantes antifascistas sublevam-se contra o regime ditatorial, mas são logo sufocados.
Denúncias VICENTE, ANDRADE CORVO e MORAIS SARMENTO são símbolos dos denunciantes hipócritas contra o GENERAL.
Muitíssimos foram os chamados “bufos”, denunciantes que ajudaram a manter o regime de Salazar.
Forças Policiais Dois polícias contribuem para sustentar o regime.
Censura. Constituídas, sobretudo, pela PIDE, eram, sem dúvida, o sustentáculo do regime.
Censura.
Classes dominantes São representadas por BERESFORD (a força inglesa), PRINCIPAL SOUSA (o clero) e D. MIGUEL FORJAZ (a nobreza).
Representadas pelas forças estrangeiras (Inglaterra), pelos monopólios e pela Igreja.
Processos Há processos de condenação sem provas.
Muitíssimos foram os processos de condenação sem provas.
Execuções Executa-se o GENERAL GOMES FREIRE DE ANDRADE, um general sem medo, mas…
Felizmente… Felizmente há luar! As execuções foram muitas, mas em 1965 executar-se-ia o General Humberto Delgado, o “General sem Medo”, mas…
Felizmente… Felizmente há luar!
Estimula futuras rebeliões e,
em 1834, o
LIBERALISMO triunfa. Estimula futuras rebeliões que culminarão, no 25 de Abril de 1974, com a
vitória da DEMOCRACIA.
Personagens
- Povo (Manuel, Rita, Antigo Soldado, Populares)
- Governadores do Reino (D. Miguel Forjaz, Beresford, Principal Sousa)
- Delatores (Vicente, Morais Sarmento, Andrade Corvo)
- Dois polícias
- Matilde de Melo, António de Sousa Falcão, Frei Diogo
- General Gomes Freire de Andrade («que está sempre presente embora nunca apareça.»)
GOMES FREIRE DE ANDRADE – figura carismática que preocupa os poderosos, que arrasta os pequenos, que acredita na justiça e luta pela liberdade (nunca aparece em cena, mas está sempre presente).
D. MIGUEL FORJAZ – prepotente, assustado com transformações que não deseja, corrompido pelo poder, vingativo, frio, desumano, calculista.
PRINCIPAL SOUSA – fanático, corrompido pelo poder eclesiástico.
GENERAL BERESFORD – poderoso, mercenário, interesseiro, calculista, trocista, sarcástico:
- general inglês, severo e disciplinador;
- mandou matar Gomes Freire de Andrade.
VICENTE – demagogo, sarcástico, falso humanitarista, movido pelo interesse da recompensa material, adulador no momento oportuno, hipócrita, despreza a sua origem e o seu passado, capaz de recorrer à traição para ser promovido socialmente.
MANUEL – “o mais consciente dos populares”, andrajosamente vestido: assume algum protagonismo por dar início aos dois actos:
- denuncia a opressão a que o povo tem estado sujeito e a incapacidade de conseguir a libertação e de sair da miséria em que se encontra
MATILDE – a mulher de Gomes Freire, “a companheira de todas as horas”, corajosa:
- exprime romanticamente o amor; reage violentamente perante o ódio e as injustiças, afirma o valor da sinceridade,
- desmascara o interesse, a hipocrisia;
- ora desanima, ora se enfurece, ora se revolta, mas luta sempre.
SOUSA FALCÃO – “o inseparável amigo” de Gomes Freire, sofre junto de Matilde perante a condenação do general, assume as mesmas ideias de justiça e de liberdade, mas não teve a coragem do amigo.
Estrutura da peça / Acção (Peça em dois actos):
Acto I – processo de incriminação; prisão dos incriminados.
. apresentação das situações;
. informações trazidas pelos espiões;
. reunião dos três espiões;
. revelação do nome do chefe dos conjurados...
(mudança de acto = mudança do acontecimento / situação)
Acto II – processo de ilibação dos incriminados; punição dos incriminados.
. a acção centra-se na deambulação de Matilde, cujo estatuto social (nascimento e casamento) lhe permite ter acesso às figuras do poder;
. Matilde considera-se vítima inconformada de uma injustiça;
. expansão da subjectividade de Matilde (inicialmente lírica e depois dramática);
. ritmo modulado pela fala de Matilde, que culmina na acusação ao poder instituído.
Funcionalidade da estrutura dual:
. repetição do quadro inicial (mesma personagem; mesmas interrogações; mesmas indicações de encenação dadas pelo autor);
. a mesma dicotomia Poder / Anti-Poder;
. a mesma disparidade das forças em conflito (que conduz à apoteose trágica final).
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