quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Portugal/ A Mensagem

SIMBOLOGIA E ESTRUTURA DA MENSAGEM

A Mensagem poderá ser vista como uma epopeia, porque parte do núcleo histórico, mas a sua formulação, sendo simbólica e mítica, do relato histórico, não possuirá a continuidade. Aqui, a acção dos heróis só adquire pleno significado dentro duma referência mitológica. Aqui serão só eleitos, terão só direito à imortalidade, aqueles homens e feitos que manifestam em si esses mitos significativos. Assim, a estrutura será dada pelo que, noutra linguagem, se poderá chamar os esquemas ideológicos, ou as ideias-força desse povo: regresso ao paraíso, realização do impossível, espera do messias... raízes do desenvolvimento dessa entidade colectiva.
Os antepassados, os fundadores, que pela sua acção criaram a pátria, a ergueram a personalidade, separada, ou a plasmaram na sua alma própria; as mães, as que estão na origem das duas dinastias, cantadas como “antigo seio vigilante”, ou “o mano ventre do império”; os heróis navegantes, aqueles que percorrem o mar em busca do caminho da imortalidade, cumprindo um dever individual e pátrio (realização terrestre duma missão transcendente); e finalmente, depois desta missão cumprida, desta realização, na era crepuscular de fim da vida, os profetas, as vozes que anunciam já aquele que viria regenerar essa pátria moribunda, abrindo-lhe novo ciclo de vida, uma nova era – O ENCOBERTO.
Assim, a estrutura da mensagem, sendo a dum mito, numa teoria cíclica, a das idades, transfigura e repete a história duma pátria como um mito dum nascimento, vida e morte dum mundo; morte que será seguida dum renascimento, desenvolvendo-a como uma idade completa, de sentido cósmico e dando-lhe a forma simbólica tripartida – BRAZÃO, MAR PORTUGUÊS, O ENCOBERTO, que se poderá traduzir como: os fundadores, ou o nascimento; a realização, ou a vida; o fim das energias latentes, ou a morte: essa que conterá já em si, como gérmen, a próxima ressurreição, o novo ciclo que se anuncia – O QUINTO IMPÉRIO. Assim, a terceira parte é toda ela um fim, uma desintegração; mas também toda ela cheia de avisos, de pressentimentos, de forças latentes prestes a virem à luz: depois da Noite, e Tormenta, vem a Calma e Antemanhã, estes sãos os Tempos.
Que mutação houve e que auscultou o poeta, na alma do seu povo? À era dos heróis, daqueles que, percorrendo sozinhos e únicos, o caminho da realização pessoal e colectiva, levando-a até ao fim através de perigos sem conta, se teria sucedido uma era de desistência e anulação pessoal, em que a esperança e a obra de realização, de salvação se transfere e projecta num super eu nacional – O DESEJADO. É ele que trará a regeneração do povo; que pela sua aparição instaurará o tempo novo. Depois da degenerescência do tempo antigo, Alcácer Quibir contará o fim dum ciclo duma pátria, tal como o dum mundo, por um dilúvio, pela sua força renovadora e purificadora.
Esperai! Caí no areal e na hora adversa/Que deus concede aos seus/Para o intervalo em que esteja a alma imersa/Em sonhos que dão Deus (...).
A vinda do Encoberto marcará o fim da história. Os cinco impérios são irreversíveis. Alcácer Quibir é um acontecimento de valor religioso. E aí a morte de D. Sebastião assumirá o sentido da morte redentora dum Deus. E a sua parúsia no futuro, aquele do fim do tempo.
Essa intrínseca identificação do poeta com a sua nação, torna aqui o profetismo a forma do que assume em si, na sua pessoa, única e mortal, o destino dum ser colectivo em todo o transcurso da sua existência.


Dalila L. Pereira da Costa, O Esoterismo de Fernando Pessoa

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