Os Lusíadas sãoum texto renascentista traduzindo o espírito optimista do renascimento e a inspiração humanista, proferindo um acto de fé nas capacidades humanas. Porém, não é apenas isso, pois trata-se de um poema bipolar onde a voz épica é contradita por outra voz anti-épica. Uma face solar do poema e uma face lunar através da qual a dúvida se contrapõe à confiança.
[...]
Os Lusíadas celebram os Portugueses enquanto nação, colectividade. para isso, o poeta desenvolve uma história de Portugal como epopeia, seleccionando os episódios e as figuras, de modo a fazer avultar o lado heróico e exemplar da História, cantando-a. Por outro lado, o poema tende á universalidade, louva não só os Portugueses mas o homem em geral: a sua capacidade realizadora, descobridora. A empresa das descobertas é grande prova dessas capacidades: a de se impor á natureza adversa, de desvendar o desconhecido, de ultrapassar os limites traçados pela cultura antiga e pelo conceito tradicional do homem e do mundo, que estavam dogmatizados e eram difíceis de superar. Os Lusíadas celebram a capacidade de alargar e aprofundar o saber; a realização do homem no que espeita ao amor e, por fim, talvez o mais importante, o poder de edificar a vida face ao destino.Por isso, um dos temas épicos consiste na comparação sistemática com os modelos antigos, com o apogeu da divinização dos heróis.
Não são, contudo, só exaltação e glorificação. Camões faz um diagnóstico lúcido e consciente da decadência que se aproxima. Não desconhece nem esconde os erros, os defeitos e os crimes de tantos Portugueses. No final do canto VII denuncia com mágoa a hipocrisia, o espírito de adulação, o abuso do poder, a exploração dos humildes; e queixa-se com ironia amarga da ingratidão dos contemporâneos. Lembra que a cristandade atravessa um momento crítico abalada pelas divisões religiosas motivadas pela Reforma, e ameaçada do exterior pelo poder turco que alastra da Ìndia até á Europa central. É este sentimento de enfraquecimento que a gesta lusitana vem compensar. [...] O medo também se expresssa na voz do Velho do Restelo, que o calo do passado inquieta perante o futuro. O abandono do ninho paterno, do aconchego e segurança do lar simbolizam o cortar das amarras, a despedida para o encontro da vocação universalista.
Enquanto toda a cção narada se reclama de verade histórica, o prémio consiste num sonho! num sonho?!
(adaptado de Tópicos para uma Leitura d' Os Lusiadas, maria Vitalina Leal de Matos, Verbo, 2003
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