segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Reflexão do poeta ( canto VII, est 4-14)

Apelo à guerra santa dirigido aos outros povos Europeus

Os Portugueses lançaram-se na Guerra Santa movidos não pela cobiça mas pela obediência à Santa Igreja. Os Portugueses são poucos mas fortes com coragem e espírito cristão; Deus serve-se de um instrumento fraco para um forte objectivo: dilatar a sua fé.
Da esrofe 4 à 8 inclusivé, o poeta estabele uma crítica directa, ela é feita aos alemães (est4); aos Ingleses (est.5, 6), aos Franceses (est.7) e aos Italianos (est.8).
Os primeiros afastam-se cada vez mais de Deus, preocupados que estão com guerras internas, o Movimento da Reforma, em vez de se revoltarem contra o inimigo da fé cristã, “ O superbissimo Otomano”, o Turco.
Os Ingleses intitulam-se senhores de Jerusalém mas esta estánas mãos dos ismaelitas, está sob o domínio de um rei turco e contra isso os Ingleses nada fazem. Henrique VII “ nova maneira faz de Cristandade”, a Igreja anglicana, num movimento insistente de rebelião contra os próprios cristãos, deixando de canalizar esse esforço para “tomar a terra que era sua”.
Os Franceses, “Reis cristianíssimos”, não honram o cognome que lhes foi dado pelo Papa, envolvendo-se em guerras contra cristãos.
Os Italianos estão esquecidos do seu valor antigo, mergulhados que estão na ociosidade, no prazer, “em vícios mil”, a sua grandeza está em perigo.
Da estrofe 9 à 11 o poeta faz uma apóstrofe geral aos cristãos. Censura-os pela sua desunião, pelas guerras que provocam entre eles. Compara-os a Cadmo que espalha os dentes do dragão que venceu, dos quais nasem homens armados que se matam uns aos outros. Mais uma vez o relato mitológico serve o processo deargumentação por exemplificação, dando validade ao defendido.
Enquanto do lado inimigo reina a união, os cristãos têm por sua vez dois inimigos, um exterior e um interior: o infiél e a discórdia entre eles mesmos. Assim sendo, o poeta abre uma concessão; se o móbil religioso não é suficiente: “ Pois mover-vos não pode a Casa Santa”, que mova os cristãos o interesse económico: “ Mova-vos já, sequer, riqueza tanta”.
Nas estrofes 12 e 13, o poeta exorta os cristãos a mobilizar o poder bélico de modo a fazer recuar o inimigo, já que grandes regiões da Europa estão a ser ocupadas pelos infiéis que obrigam os cristãos a seguir . “ os profanos preceptos do Alcorão”.
Em contraposição à atitude dos povos da Europa, os Portugueses movem-se “ em cristãos atrevimentos” em África, na Ásia e “ na quarta parte nova”, no Brasil, e mais houvesse!
Há muitas críticas a esta reflexão sustentadas na desactualizaçaõ dos factos que ai são assinalados. Contudo, a meu ver, basta referir que um ano antes da publicação d’’Os Lusíadas, dá-se a Batalha de Lepanto, na qual se conseguiram travar as forças turcas, apesar do apoio que tiveram dos Franceses.Portanto, no momento de produção desta reflexão, ela tem plena justificação e actualidade. Sabe-se também que nos primórdios da década de setenta, do século em causa, circulam por toda a Europa textos que apelam à Guerra Santa, a título de exemplo, lembre-se a Bula Regnans in Excelsis do Papa Pio V(27 de Abril de 1570), na qual excomingava a rainha Isabel I.

( Prof: Euclides)

sábado, 27 de outubro de 2007

Matriz do 1º teste de avaliação

GrupoI
1.Situar excertos na estrutura interna d’ “Os Lusíadas”
- Identificar narrador ou sujeitos de enunciação e destinatários de diferentes discursos
-Reconhecer dimensão épica e anti-épica de diferentes episódios/ momentos da obra
2.
2.1. Relacionar assuntos tratados nos textos
2.1.1. Identificar um recurso estilístico
2.1.2. Explicar a sua expressividade ( razões da sua utilização)
3. Comparar tipos de caracterização
4. Indicar motivos subjacentes a intenções do autor/poeta
Grupo II
- Identificar mecanismos linguísticos de estruturação, coesão e conexão de um texto informativo
Grupo III
- Produzir texto argumentativo


Conteúdos

- estrutura interna
- Planos
- Narrador(es)/ emissores e destinatários
- Dimensão/função épica e anti-épica


- Conceito de herói , conceito de epopeia
- Figuras de estilo estudadas
- Expressividade estilística, efeitos , imagens e processos de aproximação entre conceitos
- Conteúdo do texto
- Conteúdo do texto

-processos de co-referência
- processos de recuperação, conexão de informação
- Modalização
- diferentes valores gramaticais de “ que”

- Tipologia de texto
- Temática abordada em aula
1.
Tipologia da questão
- Escolha de alternativas
( 4 alíneas)

2,3,4
- Itens de resposta curta
( valorizados pelo conteúdo e pelos aspectos de organização e forma)
Grupo II
- Item de correspondência
(6 alíneas)
Grupo III
- Item de resposta extensa

Reflexão do poeta ( canto VI, est.95-99)

Programa para a actuação heróica

Os primeiros quatro versos da estrofe 95 são elucidativos da motivação subjacente a esta reflexão. No início do canto VI, Baco consegue convencer Neptuno a promover um consílio dos Deuses marinhos em que se decide surpreender os nautas lusitanos com uma tempestade, favorecida pelo poder dos ventos, nomeadamente Éolo.
Mais uma vez é a intervenção de Vénus que, solicitando às ninfas que seduzissem os ventos, consegue com que estas os distraiam, permitindo aos portugueses chegarem a Calecut. Foram estes “os (...) hórridos perigos, os trabalhos graves e temores”.
Como deve o herói alcançar a fama? O programa começa por fazer-se pela negativa (est.95-96) e só a partir da estrofe 97, pela afirmativa.
Propositadamente, começa por apresentar a genealogia como elemento insuficiente para alcançar o estauto de herói, contrariando a norma vigente na época. É mais uma vez a insistência no ideal humanista que concebe o homem como um produto da experiência.
Ainda nesta estrofe e coincidente com o apelo á experiência pessoal, nega-se o acesso ao heroismo pela via da ociosidade, do conforto, do bem-estar que alíás, será sujeita a um processo de enumeração na estrofe 96.
A gula pelos reqintados e exóticos manjares, os passeios indolentes e inúteis, as mais diversas futilidades, as ambições desmesuradas enfraquecem os ânimos, fragilizam o Homem, votando-o à insatisfação. E pior, distraem-no das obras de verdadeiro valor.
A conjunção adversativa que introduz a estrofe 97, contrapõe o que se repudiou anteriormente com uma actuação marcada pelo sofrimento, pelo esforço, pela coragem: a actividade bélica: “ o forçoso braço(...) vigiando e vestindo o forjado aço” e a marítima” sofrendo tempestades e ondas cruas...”.
Quer em batalhas, quer no mar, está-se ante a desgraça “ o pelouro ardente que assovia e leva a perna ou braço ao companheiro.” Mas são essas situações que exigem que o ânimo se domine, “ a parecer seguro, ledo, inteiro” e consequentemente se crie “ o calo honroso”. Por outro lado, é o sofrimento que faz o homem dar mais valor á vida e a desprezar as honras e o dinheiro, isto é, fá-lo atingir a grandeza moral.
Os prémios do acaso, da sorte, o verdadeiro herói despreza-os. Os que ele mesmo conquistou, pela sua virtude, são seus por direito próprio.
Desta forma, é do entendimento geral que a experiência dos perigos torna o homem sereno (est.99); fá-lo posicionar-se acima dos interesses e das coisas mesquinhas. Numa sociedade regida pela justiça e não por intereses próprios, o herói terá a recompensa pelo seu valor, desempenhando lugares superiores, mesmo “ que contra vontade sua e não rogando”, é o reconhecimento e promoção natural.
Finalmente, registe-se que este retrato robot do herói é uma caracterização abstracta, no sentido em que não se estabelece por comparação mas por generalização de um modelo universal.
(Linhas de leitura do professor Euclides)

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

"Numa mão a espada, noutra a pena", sempre!

Terminado o relato de Vasco da Gama ao rei de Melinde, que durou um longo dia: “ Mas já o mancebo Délio as rédeas vira,/ que o irmão de lampécia mal guiou,/ por vir descansar nos Tethyos braços;/ e el-Rei se vai do mar aos nobres paços.” Cada um dos homens que o ouviu reconta o episódio que mais o impressionou, e foram vários(est.91).
A reflexão ou excurso começa na estrofe 92 com uma sequência de sentenças, de veradesde valor universal e intemporais, daí o presente da enunciação, são elas:
vv.1,2 – o prazer da glória dos feitos realizados atinge-se quando estes são cantados,
vv.3,4 – “ nobre” não é uma característica social mas espiritual, a grandeza de espírito que tenta imitar os feitos grandes do passado,
vv.5,6 – a história como lição, modelo a ser imitado
v.v7,8 – Fama, glória, louvor concedidos a quem tem heroísmo
(est.93) confirmação do que foi dito anteriormente através das figuras heróicas da História antiga:
Alexandre inveja Aquiles não pela sua força e feitos mas por ter sido cantado por numerosos e harmoniosos versos.
Temístocles inveja a voz que celebrou os feitos de Milcíades

(est.94) Vasco da Gama tentou demonstrar a linha de superação dos heróis antigos mas Eneias é um herói celebrado porque Virgílio foi devidamente protegido para o cantar, e consequentemente também se celebrou Roma.

(est. 95 a 97) O poeta acusa a terra Lusitana de fazer homens “ duros e robustos”, rudes e insensíveis, bons na guerra sim, tal como Cipião, César, Alexandre ou Augusto, mas sem dons alguns para as artes liberais, as letras. Os lusitanos não espelham o ideal de homem que o Renascimento quer reanimar, resssuscitar, tipo Octávio “Que entre as maiores opressões compunha versos doutos e venustos”, ou César que mesmo em guerra contra a França não deixava de se instruir, o ideais de homem humanista que conciliam”numa mão a pena e noutra a lança”. É com vergonha que admite que capitão algum poderá ser louvado enquanto não houver interesse pela arte que a valorize.
Os lusitanos são heróis incultos, os da antiguidade são doutos e cientes- compração pela desigualdade. Em todas as nações os heróis se inserem no paradigma humanista, excepto em Portugal.
(est.98) Consequências: os poetas fazem heróis, sem eles não há memórias dos seus feitos, há que condenar a ignorância e a insensibilidade.

(est.99) É o caso do Gama, é um herói imperfeito, não merece ser cantado pela sua incultura. Só é cantado porque as musas e poetas movem-se pelo amor à Pátria e ele vem por arrasto.

(est.100) frieza do porta no incitamento que faz aos heróis de continuarem os seus feitos, se não forem premiados pelo canto, sê-lo-ão de outra forma.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Trabalho de escrita recreativa

Pedra Filosofal

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

In Movimento Perpétuo, 1956





Tarefa: Produção de texto argumentativo

No poema de António Gedeão, Pedra Filosofal,( Ver blogue), sem sonho o homem não teria atingido o progresso civilizacional, nem se teria realizado enquanto”bichinho álacre e sedento (...) que foça através de tudo num perpétuo movimento”.
A argumentação presente no poema a favor do sonho poderia também ser válida para defender a empresa ultramarina. Serve-te dela para produzires um discurso argumentativo que respeite o plano seguinte:

Tese: O Sonho é uma constante da vida
O Sonho é energia criativa
O Sonho é o motor do conhecimento

Desenvolvimento

Exórdio:escolhe de um auditório/ interlocutor a quem vais dirigir o teu discurso,
-Desperta o interesse do auditório, implicando-o no assunto que vais tratar(utilizar para esse efeito apóstrofes; posicioná-lo perante uma situação concreta)


Argumentação: por via indutiva, apresentando de forma directa os argumentos e posteriormente por via dedutiva, através de paralelismos, de interrogações retóricas etc...

Conclusão: Deverá ser feita sob forma de generalização, saindo das situações concretas referidas na argumentação e ter uma amplitude universal e intemporal.



Texto de apoio


O discurso contém diversos temas, como a oposição à ida à Índia, envolvendo demasiados riscos, a preferência pelo Norte de África, mais perto e mais seguro, a expansão da fé etc... mas o tema central é a ambição que perdeu os homens, desterrando-os da Idade do Ouro para a Idade do Ferro, a ambição que arrasta os portugueses para perdições sem conta na Ida ao Oriente. Foi também a ambição que levou Adão e Eva à expulsão do Paraíso Terrestre; foi a ambição que levou Prometeu a roubar o Fogo aos deuses, provocando a fúria de Júpiter e o castigo do usurpador, foi a ambição que levou Ícaro a afastar-se de seu pai, Dédalo e a voar muito alto com asas de cera, acabando por se precipitar no mar Egeu.
O Velho do Restelo fala, em parte, como um humanista, manifestando um certo desprezo pelo povo néscio.
António José saraiva acha que o discurso do Velho do Restelo entra em contradição com a tese fundamental da obra- a viagem à Índia.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Notas avulsas sobre a mitificação do herói

DIMENSÃO EXEMPLAR DA HISTÓRIA NARRADA

A história narrada em Os Lusíadas tem uma dimensão exemplar, por apresentar factos e figuras como modelos a seguir, bem como atitudes a evitar (estas em menor número).
Quem são as personagens agentes de feitos ilustres notáveis?
São muitas. São os heróis da navegação, da conquista, os reis portugueses que dilataram a Fé e o Império, que difundiram a civilização nas terras de África e Ásia; são também aqueles cujo nome ficou na História por actos de excepção… (cf. Canto I, 1-2)

Em Os Lusíadas, especialmente a partir do Canto V, no final de cada Canto, há partes que não são narrativas, porque o poeta aproveita para tecer os seus comentários e críticas. Contudo, segundo os cânones da epopeia, o Poema de Camões deveria ser alheio à pessoa do poeta. É neste sentido que Luís António Verney, no séc. XVIII, faz as seguintes críticas:

“Errou o Camões em não sustentar sempre o carácter e grandeza do seu herói, que abaixa sensivelmente no canto VIII, do meio para diante. Errou nas enfadonhas digressões que introduz por toda a parte. Errou em acabar quase todos os Cantos com exclamações mui fora de propósito e muito contra o estilo da epopeia.” (in Carta VII do Verdadeiro Método de Estudar, Editorial Presença, p. 168).

De opinião oposta à anterior, Eduardo Lourenço, dois séculos mais tarde, diz o seguinte:
“Os Lusíadas não são a primeira epopeia realista dos tempos modernos, mas a primeira que nada perdeu da sua força, graças ao fulgor da sua forma, quer dizer, graças à sua autonomia de poema humanista, de realidade escrita” (“Camões e o tempo ou a razão oscilante” in Poesia e Metafísica, Lisboa, Sá da Costa Editora, 1983, p. 34)

Um dos propósitos de tais intromissões do poeta é o de doutrinar e construir, por cima do tradicional herói guerreiro, um novo tipo de herói, o humanista.

O HERÓI POSSÍVEL

Camões, em Os Lusíadas, apresenta o heroísmo em termos teóricos, programáticos, havendo uma distância entre a perfeição idealizada e o plano da realidade
Primeiro, Camões anuncia as formas de comportamento que o herói deve evitar (Canto VI, 95-96): não descansar à sombra dos louros conquistados pelos seus antecessores e evitar a ociosidade, inércia e comodismo.
Depois, anuncia o programa em forma afirmativa (Canto VI, 97-99): necessidade de exercício, esforço da coragem e capacidade de enfrentar todo o tipo de sofrimento.
Assim, advêm-lhe não só honras próprias, isto é, do seu próprio mérito, como também coragem para enfrentar os perigos de guerra e para dominar o medo e a comoção – manifestações exteriores que se forem moldadas dão-lhe uma superioridade moral e uma serenidade intelectual.
Numa sociedade justa e bem organizada, um homem destes será chamado ao desempenho de cargos de responsabilidade: será chamado “contra vontade sua, e não rogando” (Canto VI, 99). Requer-se um homem desprendido do poder, que aceite exercer cargos mesmo sem o desejar, apenas movido por uma consciência cívica de servir a pátria.
O bom herói, ou bom português, deve renunciar a tirania, a ociosidade, a cobiça, as “honras vãs”, o “ouro puro” (cf. Canto IX, 92-95) – pois,

Melhor é merecê-los sem os ter,
Que possuí-los sem os merecer.
Cumpridos estes preceitos,
Sereis entre Heróis esclarecidos
E nesta Ilha de Vénus recebidos
(Canto IX, 95)

Apesar de tal prémio, este tipo de herói ainda não corresponde, por completo, ao ideal ético do poeta dos tempos novos.

O PODER DO POETA

Em última análise, quem premeia os nautas com uma ilha mitológica é o próprio vate ao resgatá-los do esquecimento (da lei leteia), dispensando-lhes a fama e imortalidade no e através do seu canto.
O rudo canto meu, que ressuscita
as honras sepultadas,
as palmas já passadas
dos belicosos nossos Lusitanos,
para tesouro dos futuros anos,
convosco se defende
da lei leteia, à qual tudo se rende.
(Ode VII)


Nas estâncias 83 a 87 do Canto VII, Camões chega a enumerar as pessoas que não merecem a glória que o canto do poeta dá: os lisonjeiros; os que actuam movidos por um interesse pessoal em prejuízo de um bem comum e do seu rei; os que actuam movidos pela ambição (os que sobem ao poder por influências, compra de cargos de importância), permitindo dar largas aos seus vícios; e os que exercem despoticamente o poder.
O poeta chega ao ponto de se queixar do facto de a aristocracia portuguesa, representada na pessoa de Vasco da Gama, não ser amiga das Musas:

Que ele, nem quem, na estirpe, seu se chama,
Calíope não tem por tão amiga
(Canto V, 99)

Por isso, diz, não é por Vasco da Gama que as Musas (o poeta) cantam; é pela pátria:

Às Musas agradeça o nosso Gama
O muito amor da pátria, que as obriga
A dar aos seus, na lira, nome e fama
De toda a ilustre e bélica fadiga

E mais: “se este costume dura” Portugal ficará pobre em heróis:

Sem vergonha o não digo, que a razão
De algum não ser por versos excelente
É não se ver prezado o verso e rima,
Porque quem não sabe arte, não na estima.

Por isso, e não por falta de natura,
Não há também Virgílios nem Homeros;
Nem haverá, se este costume dura,
Pios Eneias nem Aquiles feros.
(Canto V, 97-98)

Sem Virgílio não há Eneias, sem Camões, Gama.

Em toda a sua poesia, a começar no canto épico, há a expressão, quase cansativa, de uma decepção causada por uma crise inerente à sua época.


O HERÓI HUMANISTA

“A melhor forma de serviço público e de empenhamento cívico, aquela em que se logra a desejada simbiose entre a vida activa e a vida contemplativa, é a do homem de intelecto, do humanista, que é simultaneamente um homem de acção, um soldado. Por isso tanta importância tem no nosso discurso histórico-literário o topos das Armas e Letras.

Doravante a ideia de mérito e experiência individual, sempre que se trate de eleger alguém para lugares de responsabilidade pública, vai sobrepor-se à ideia de linhagem e privilégio de nascimento.” (Luís de Sousa Rebelo, A tradição clássica na literatura portuguesa, Lisboa, Livros Horizonte, 1982).

Nesta ordem de ideias, há uma visão de conjunto sobre os heróis portugueses como sendo imperfeitos (cf. Canto V, 92-97), por não ultrapassarem o desenho tradicional do herói cavaleiresco.

O poeta diz ter vergonha destes heróis, porque são ignorantes, ao contrário dos Antigos, como Octávio que,

[…] entre as maiores opressões,
Compunha versos doutos e venustos
(Canto V, 95)

As figuras da Antiguidade são o paradigma humanista da associação das ARMAS e das LETRAS.

Da galeria de heróis de Os Lusíadas, Nuno Álvares Pereira é aquele que Camões decide construir à medida do novo conceito de herói, pois é representado como excelente na capacidade de discursar (cf. Canto IV, 14-21) e excelente no campo de batalha (cf. Canto IV, 28-44).

Mesmo que historicamente Nuno Álvares Pereira tenha sido um bom estratega e orador, naturalmente que o épico o estilizou tão à maneira de Fernão Lopes que, por sua vez, já o havia tornado lendário.

Na verdade, em Os Lusíadas, Camões é o único que comporta majestosamente estas duas qualidades: a conciliação das Armas e das Letras.

Se repararem, quando se fala de Os Lusíadas o nome que vem imediatamente à mente é o de Camões e não o de um herói literário. Os Lusíadas não nos remetem senão para o seu autor. Mas, no que toca a outras epopeias, ocorrem-nos os nomes de Ulisses, Eneias, El Cid, Tristão, Hamlet, D. Quixote, isto é, os respectivos heróis literários.

“Para compensar uma tal ausência – cujo mistério se repercute sobre a imagem global da nossa literatura – temos uma espécie de herói-vivo, cuja lenda verídica teve o condão de se converter em existência ideal, como é apanágio da ficção perfeita. Referimo-nos, naturalmente, ao próprio Camões, herói da sua própria ficção, e que se tornou para um povo inteiro bem mais mítico e, mesmo, bem mais heróico que os heróis exaltados pelo seu Poema.” (Eduardo Lourenço, op. cit.)


AUTOMITIFICAÇÃO

“Com efeito, o esforço original de automitificação através do qual Camões tenta escapar à insignificância e ao esquecimento […] não é uma descoberta de Camões. Constitui a vivência mais inovadora do seu tempo cultural.” (Eduardo Lourenço, op. cit.)

Na estância 154 do Canto X, o poeta caracteriza-se:

Mas eu que falo, humilde, baxo e rudo,
De vós não conhecido nem sonhado?
[…]
Nem me falta na vida honesto estudo,
Com longa experiência misturado,
Nem engenho, que aqui vereis presente,
Cousas que juntas se acham raramente.

A seguir, na estância 155, pede para servir o rei e a pátria através do seu canto.

Em Os Lusíadas, podemos ver a encarnação dos ideias do humanismo cívico na figura do poeta, numa associação do homo politicus e homo theoreticus.
Narração de Vasco da Gama ao Rei de Melinde
( Cantos III, IV, V)
Ao longo destes três cantos, Vasco da Gama assume-se narrador participante homodiegético, passando de personagem a personagem-narrador que vai responder ao solicitado pelo Rei de Melinde.
Respondendo pela ordem sugerida pelo rei anfitrião. Começa em primeiro lugar por situar geograficamente Portugal na Península Ibérica” nobre Hespanha” e esta na Europa “ soberba Europa” ( est.6-16 “ soberba Europa e os seus povos; 17-19 “ nobre Hespanha”, 20-21 “ reino Lusitano”. Parece haver proporcionalidade entre o número de estrofes que ocupam cada um destes momentos e o espaço físico considerado. Por outro lado, repare-se também, que à medida que se caminha para a localização de Portugal, se vai perdendo a objectividade descritiva, acalorando-se o discurso de subjectividade” Esta é a ditosa pátria minha amada”.
No canto III, vv. 21-243 e IV 1-77, Gama passa à História de Portugal, relatando acontecimentos ocorridos na 1ª Dinastia, portanto entre os reinados do Conde D. Henrique e D.Dinis. No canto IV, centra-se na segunda Dinastia que vai de D.João I a D. Manuel, rei que, lembre-se, ordena a partida para a Índia. A partir da estrofe 77 do canto IV e durante todo o canto V, narra por analépse a sua viagem, desde a praia do Restelo até aquela paragem, Melinde.




No mar
Após o sonho simbólico de D. Manuel em que lhe é profetizada a chegada à Índia, depois de ultrapassadas duras guerras no Oriente, das quais Vasco da Gama sai vencedor, merece a sua atenção a descrição dos preparativos para a viagem. Também aqui Gama entra na história como agente dinamizador, logo envereda por um discurso na 1ª pessoa, marcado pelos deícticos pessoais, realizados ora pelo pronome pessoal Eu, ora pelo “Nós” majestático, em que se assume como represente de uma força nacional para a diáspora. É uma acção épica, naqual o “ bicho da terra tão pequeno”, que são o Gama e os seus companheiros, vai medir força com Neptuno, deixando a segurança da Terra e arriscando-se ao tão traiçoeiro Mar.
Feitos os preparativos para a viagem, apresentam-se as dificulades. São elas a consciência dos perigos, o receio dos mares e ventos desconhecidos e uma oposição política conservadora, que se diz de “um saber de experiências feito”, que prevê os maiores infortúnios.
A despedida
É o tom patética, no sentido trágico do termo, que enforma a despedida da “praia das lágrimas”, como João de Barros lhe chama.
Passamos de um plano de conjunto que enlgloba os que “ aparelham a alma para a morte” e os que “ acorrem por amigos, por parentes ou por ver somente”, para um plano particular. Neste último, a consternação dos homens e mulheres era geral; elas “ cum choro piadoso”, eles “ com suspiros que arrancavam”(est.89).
Nas estrofes 90 e 91 temos respectivamente uma mãe e uma esposa que valem por todas as outras que se encontram nesta condição. Camões dá-lhes voz. A mãe não compreende a atitude do filho, que ao partir, a vota ao abandono, e de certa forma a uma morte de desgosto mais certa do que aquela que o possa tolher no mar.
A esposa censura o marido que faz do amor e da sua vida pertença privada, quando, no seu entender, são património do casal.
Retoma-se a visão de conjunto. A fragilidade das mães, esposas, velhos e meninos, sob o risco de orfandade, comove a própria natureza mas não os heróis que embarcam “ sem o despedimento costumado”, não vá a piedade alterar os seus intentos nobres e dignos.
De entre os velhos, ergue-se a voz de uma figura de “ aspeito venerando”, logo a merecer toda a atenção. O seu discurso, embora apresentando argumentos de natureza política e também social, é no fundo uma análise minuciosa da condição humana: “ a glória de mandar”, a “cobiça”, a “ vaidade”, a “ fama”. É no seu entender a dimensão mais mesquinha da estranha condição de Homem, que só seduzem “néscios”, ignorantes que não distinguem essência de aparência. Mas na aventura não há bom senso, lógica razão.
Uma questão se nos coloca, como se concilia esta vertente anti-épica do Velho do Restelo com o todo do poema que visa a glorificação de uma viagem que juntamente com a nossa História eram os nossos maiores motivos de orgulho? . Embora se saiba que Camões também terá defendido a manutenção da nossa empresa ultramarina no Norte de África, posição que como poeta humanista, dramatiza no Velho do Restelo, este episódio acaba por contribuir para o processo de heroicização de um povo.
Prof. Euclides (2007), Resenha personalizada de bibliografia dive

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Ao colo de Calíope



Calíope (mitologia)
Calíope é a musa da poesia épica. Filha de Zeus e Mnemósine (memória), é uma das noves musas, que têm por missão a inspiração dos seres humanos para que estes se tornem criativos na arte e na ciência. As outras musas são Clio (Musa da história), Tália (Musa da Comédia e da poesia ligeira), Melpómene (Musa da Tragédia e da harmonia musical), Érato (Musa da poesia erótica), Urânia (Musa da astronomia), Polímnia (Musa da poesia sacra), Terpsícore (Musa da dança e do canto) e Euterpe (Musa da poesia lírica).Da união com Eagro, rei da Trácia ou de Apolo (deus da música), Calíope foi mãe de Orfeu (poeta mítico e músico). Amada por Apolo, teve mais dois filhos: Himeneu (deus dos cantos nupciais, do casamento) e Iálemo (deus dos cantos tristes pelos que morrem jovens); Calíope, na mitologia grega, surge representada com um estilete e tabuinhas de escrita nas mãos. De porte majestoso, aparenta ser uma jovem mulher, coroada de ouro, com supremacia entre as musas suas irmãs. Camões, no início do Canto III de Os Lusíadas, pede a Calíope que o inspire para melhor contar a história de Portugal, como Vasco da Gama a relatou ao Rei de Melinde.


Calíope (mitologia). In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2007



“ Agora, tu, Calíope, me ensina o que contou ao rei o ilustre Gama...”
( canto III, est.1-2)

Esta invocação a Calíope antecede a narração do Gama ao rei de Melinde em que é contada a História de Portugal desde as auas origens míticas e históricas da fundação do reino até ao presente da narração.
A recepção da armada em Melinde, incluindo a parte da viagem do Gama, anterior à chegada a Melinde.
Corresponde, em suma, à realização de uma importante parte do projecto da epopeia, que vai ocupar os cantos III, IV e V, anunciado na proposição e explicitado na dedicatória, pedindo-se grande fulgor de inspiração. Justifica-se, portanto, um novo apelo, pedido que individualiza esta narrativa dentro da narração global do poema.
É neste contexto que se expressa o amor à poesia, o orgulho pátrio, a confiança no seu engenho poético. Um certo sentido de humor é o traço mais evidenciado pelo poeta nas duas primeiras oitavas.
Das estrofes 3 a 5 faz-se o exórdio do discurso, prepara-se o auditório para o que vai ouvir e apresenta-se o plano da sua narrativa; na estrofe 6, depois da localização da “ Soberba Europa” no globo terrestre, passa-se à descrição da “ larga terra” onde se situa Portugal.